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Livros Acadêmicos

O lúdico e a docência em matemática: estabelecendo relações

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Rafaela Laranjeira Silva [1]

Américo Junior Nunes da Silva [2]

Ricardo Fabrizio da Rocha Ribas [3]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/3200

INTRODUÇÃO

Cada vez mais, nos estudos realizados no âmbito da Educação Matemática, vê-se presente as discussões acerca do uso de dispositivos potencialmente lúdicos para auxiliar nos processos de ensino-aprendizagem. Dessa maneira, com este texto, buscamos ampliar o olhar acerca dessa questão.

Se nos ativermos à realidade educacional brasileira notaremos que é comum à percepção negativa em relação à Matemática (VALENTE, 2022). Muitos estudantes, ao longo de suas trajetórias escolares, passam a perceber essa ciência como desconexa de sua realidade. Nesse cenário, portanto, cabe ao professor buscar estratégias que ressignifiquem essa percepção e constitua percursos de aprendizagem que aproximem o estudante do matematizar, como lugar de descoberta (D’AMBROSIO, 1993).

A ludicidade pode ser um desses dispositivos que aproximam o estudante da Matemática, em um princípio de promoção do prazer. Segundo Roloff (2018, p.1) “a palavra Lúdico vem do latim Ludus, que significa jogo, divertimento, gracejo (…)”. O lúdico, na educação, promove diferentes competências e habilidades e é reconhecido como elemento essencial para o desenvolvimento humano, da percepção, dos sentimentos de liberdade e espontaneidade (SANTOS; CRUZ, 2007). A sua utilização em sala de aula permite a integração entre o professor, aluno e o saber matemático, com um movimento mobilizador de energia lúdica.

O lúdico, nesse momento e para este trabalho, pode ser entendido, também, como “uma fonte rica para o desenvolvimento das potencialidades e habilidades dos seres humanos” (TUBINO, 2010, p. 12). Ao mobilizar o lúdico em sala de aula, é preciso que o professor tenha conhecimento apropriado e faça o planejamento adequado da atividade, tendo claros seus objetivos e suas intencionalidades (SILVA, 2020). Assim “o lúdico se transformará num elo entre os conteúdos a serem desenvolvidos e as atividades a serem realizadas” (TUBINO, 2010, p. 14).

Ambicionamos, com este capítulo, abordar sobre a ludicidade, apresentando-a enquanto campo de estudo. Buscamos, também e para além destas páginas, que as práticas potencialmente lúdicas sejam percebidas como possibilidade de formação, de uma formação lúdica, que implica para o processo de ensino-aprendizagem, sobretudo da Matemática. Construir essa abordagem pautada na ludicidade foi uma escolha dos autores que, em suas trajetórias de formação, se dedicaram a estudar essa temática, seja na graduação ou na pós-graduação.

DESENVOLVIMENTO

Os jogos e brincadeiras têm se tornado cada vez mais presentes, tanto na Educação Infantil, como nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio; não sendo, como assevera Silva (2020), algo particular do universo infantil; pelo contrário. Vale destacar que, embora abordemos o jogo, o brinquedo e a brincadeira, neste texto, entendemos que existe uma subjetividade na tomada de algo como lúdico e, nesse sentido, qualquer coisa pode ser lúdica; dependendo se o sujeito a perceba assim (SOUZA; SILVA, 2021). Partindo desse princípio, portanto, cabe-nos destacar que

A ludicidade é uma necessidade do ser humano em qualquer idade e não pode ser vista apenas como diversão. O desenvolvimento do aspecto lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para uma boa saúde mental, prepara para um estado interior fértil, facilita os processos de socialização, comunicação, expressão e construção do conhecimento. Estas questões nos remetem à problemática da formação do educador, a qual passa por ambiguidades e paradoxos que nunca são efetivamente dissipados. Isto resulta quase sempre em dificuldades no campo da prática pedagógica (SANTOS; CRUZ, 2007, p. 12).

O uso de dispositivos potencialmente lúdicos, como os jogos, por exemplo, se popularizou na educação, e na educação matemática, por conta do interesse que gera nos alunos; bem como, por permitir que associem os conhecimentos construídos com problemas do cotidiano, gerando assim um contato positivo, aproximando cada vez mais os discentes do conhecimento matemático.

A ludicidade é uma dimensão que está presente na vida de todas as pessoas. De acordo com Roloff (2018) o jogar é uma atividade natural do ser humano, sendo por meio dele e do brinquedo que o homem recria o mundo no qual vive. O brincar, também, é muito importante. Tanto o jogo, o brinquedo e a brincadeira estimulam o desenvolvimento da criatividade, do cognitivo e das relações sociais e afetivas. São dispositivos que promovem o autoconhecimento e a liberdade. Assim, ao pensarmos especificamente acerca do ensino de Matemática, percebemos que esses dispositivos potencialmente lúdicos são

(…) importantes ferramentas de caracterização do lúdico, permitem a vivência de uma série de situações problematizadoras que facilitam o processo de ensino e aprendizagem e, consequentemente, a construção de conceitos, justamente porque contribuem para a percepção de que a Matemática já faz parte das atividades cotidianas das pessoas (SILVA, 2014, p. 24).

Para Kishimoto (1996, p. 16) o jogo possui uma grande variedade, que define como sendo “1. o resultado de um sistema linguístico que funciona dentro de um contexto social; 2. um sistema de regras; e 3. um objeto”. O jogo relaciona-se com o cotidiano e o contexto sociocultural do aluno, transmitido pela linguagem (KISHIMOTO, 1996).

O brinquedo é diferente do jogo, mesmo que ambos tenham uma relação. De acordo com Kishimoto (1996, p. 18) o “brinquedo estimula a representação, a expressão de imagens que evocam aspectos da realidade”. A brincadeira é a concretização da utilização do brinquedo, “é o lúdico em ação” (KISHIMOTO, 1996, p. 21). Assim, todo jogo acontece em um determinado tempo e espaço, contendo uma sequência própria, utilizando-se de brinquedos para construir uma brincadeira (KISHIMOTO, 1996).

Destarte, partindo do discutido anteriormente, cabe evidenciar que para Vygotsky (1998) o brincar tem grande influência no desenvolvimento da criança, tornando o aprendizado e o desenvolvimento dela inter-relacionados com o brinquedo. Com o

(…) brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além do seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento. Sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento (VYGOTSKY, 1998, p. 34).

Se o sujeito vivencia práticas ludicamente inspiradas, cotidianamente, torna-se mais fácil que dispositivos potencialmente lúdicos sejam aceitos por ele na escola, uma vez que se evita, como destaca Silva (2014), que se construam percepções negativas sobre essa prática. Metodologias que utilizam o brincar conseguem gerar integração e facilitar o aprendizado, agindo positivamente e ajudando no desenvolvimento de “processos sociais de comunicação, expressão e construção de conhecimento; melhora a conduta e a autoestima; explora a criatividade e, ainda, permite extravasar emoções” (ROLOFF, 2018, p. 2). É importante ressaltar que a ludicidade deve ser algo livre, prazeroso para quem a vivência, para assim gerar interesse e, por consequência, possibilitar a construção de conhecimentos por parte dos alunos (SILVA, 2014).

O professor pode ter dificuldade em vivenciar práticas que se pautam na ludicidade, especialmente ao refletirmos sobre a formação que prioriza o aspecto teórico do conhecimento específico em dentrimento dos demais conhecimentos que são necessários à docência (SILVA, 2014; SILVA, 2020). Não é fácil introduzir em sala de aula o lúdico, especialmente ao percebê-lo ainda estigmatizado de forma negativa. Roloff (2018) afirma que um dos maiores desafios do docente é se aproximar dessa dimensão e se permitir brincar, para assim compreender de que modo ela pode ser vivenciada no processo de ensino-aprendizagem. Mesmo com todas as mudanças que aconteceram na sociedade moderna, o brincar não perde seu importante papel no ensino, seja por meio das brincadeiras tradicionais, ou com as mais tecnológicas e atuais.

Quando o professor valoriza o lúdico em sua prática pedagógica, ele estimula a liberdade de aprendizagem; mas para isso ele precisa de formação que, de acordo com Roloff (2018), trata-se de estudar a prática de aprendizagem lúdica, testando e buscando estratégias de ensino que se adequem aos seus alunos.

Atividades criativas e lúdicas são suportes para o desenvolvimento e aprendizagem, agindo como um aliado na interação e no desenvolvimento psicomotor e psicossocial dos estudantes. Uma aula ludicamente inspirada é criativa, imprevisível e livre, que desafia tanto o aluno, quanto o professor, colocando os dois como sujeitos do processo pedagógico. A sala de aula se torna um lugar de mediações, no qual todos ensinam e aprendem juntos, pois o brincar estimula os diferentes aspectos da formação humana (ROLOFF, 2018). É por isso, portanto, que a ludicidade é percebida por nós, nesse momento e para este texto, como uma categoria que agrega os materiais didáticos diversos, inclusive jogos e brincadeira.

CONSIDERAÇÕES

Partindo do exposto, compreendemos que a ludicidade é uma dimensão humana e que cabe ao sujeito, de forma subjetiva, tomar os diversos dispositivos como sendo lúdico para si. Dessa forma, embora foquemos, neste texto, em explorar o jogo e brincaderia, que para nós são os mais usuais, qualquer outro recurso pode ser tomado como lúdico pelos estudantes/pessoas; o que não é oportuno, dessa maneira, listá-los. Temos uma gama de possibilidades e, para isso, o professor precisa entender algumas particularidades que circuncreve o Conhecimento Lúdico.

O educador precisa, nesse sentido, vivenciar a ludicidade, pois quanto mais o professor vivenciá-la, melhor saberá lidar com ela em sala de aula, o que torna necessário que ele tenha uma formação lúdica, já que o resultado de sua formação refletirá em seu desempenho cotidiano em sala. Assim o lúdico deve ancorar a formação de professores, contribuindo para a constituição da identidade de um docente mais humano.

Diante disso, ambicionamos que esse texto contribua para o entendimento de que a dimensão lúdica é importante e que muito contribui para a formação e para o processo de ensino-aprendizagem da Matemática, devendo ser explorado vigorosamente nos espaços escolares e, mais particularmente, nos cursos de formação de professores.

REFERÊNCIAS

D’AMBROSIO, B. H. Formação de professores de matemática para o século XXI: o grande desafio. Pro-Posições, v. 4, n. 1, p. 35-41, 1993.

KISHIMOTO, T. M. (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. Editora Cortez: São Paulo, 1996.

ROLOFF, E. A importância do lúdico em sala de aula. 2018. Disponível em:https://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/Xsemanadeletras/comunicacoes/Eleana-Margarete-Roloff.pdf. Acessado em: 31 de maio de 2022.

SANTOS, S. M. P; CRUZ, D.R. M. O lúdico na formação do educador. In: SANTOS, Santa Marli Pires dos (org.) O lúdico na formação do educador. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 11-18.

SOUZA, P. S. S.; SILVA, A. J. N. da. Grupo de Estudo e o Movimento de Ressignificação da Concepção de Ludicidade: Uma Experiência no Lepem Da UNEB. Brazilian Journal of Policy and Development, v. 3, p. 43-57, 2021.

SILVA, A. J. N.. A Ludicidade no Laboratório: considerações sobre a formação do futuro professor de matemática. 1. ed. Curitiba: CRV, 2014. 184p .

SILVA, A. J. N. DA. Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática do Campus VII da UNEB: espaço de formação e desenvolvimento do conhecimento lúdico e pedagógico do conteúdo. In: Vieira, André Ricardo Lucas; Silva, Américo Junior Nunes da. (Org.). O futuro professor de matemática: vivências que intercruzam a formação inicial. 01ed.Porto Alegre: Editora Fi, 2020, v. , p. 36-59.

TUBINO, L. D. O lúdico na sala de aula: problematizações da prática docente na 4ª série do Ensino Fundamental. 2010. 45 f. TCC (Graduação) – Curso de Pedagogia e Licenciatura, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.

VALENTE, W. R. História da formação do professor que ensina matemática: etapas de constituição da matemática para ensinar. Revista BOEM, Florianópolis, 2022, 10 (19), 10-24.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

[1] Licencianda em Matemática pela Universidade do Estado da Bahia, Campus IX. ORCID: https://orcid.org/0009-0007-9789-7377. CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/0300178512308147

[2]Licenciando em Matemática pela Universidade do Estado da Bahia, Campus IX. ORCID: https://orcid.org/0009-0002-0608-4236. CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/6083965440715295

[3] Orientador. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7283-0367. CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/5104791370402425

Rafaela Laranjeira Silva

Rafaela Laranjeira Silva

Licencianda em Matemática pela Universidade do Estado da Bahia, Campus IX. ORCID: https://orcid.org/0009-0007-9789-7377. CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/0300178512308147

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