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Os três planos do negócio jurídico processual nas relações de emprego

RC: 127685
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/negocio-juridico-processual

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

ROCHA FILHO, João Cesar de Oliveira [1], ADEODATO, João Maurício Leitão [2]

ROCHA FILHO, João Cesar de Oliveira. ADEODATO, João Maurício Leitão. Os três planos do negócio jurídico processual nas relações de emprego. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 09, Vol. 04, pp. 110-136. Setembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso:  https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/negocio-juridico-processual, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/negocio-juridico-processual

RESUMO

Previsto com detalhes no Código de Processo Civil de 2015, o negócio jurídico processual é um instituto jurídico potencialmente presente em todos os ramos do Direito, utilizado para trazer ao processo em comum circunstâncias que atenuem os deveres e responsabilidades inicialmente previstos na lei, ou, antes mesmo de um eventual litígio, estabelecer quais serão as diretrizes para resolução de um futuro conflito. As relações de emprego são marcadas pela subordinação e dependência presentes entre empregado e empregador, tornando claro o natural desnivelamento entre esses agentes nas relações individuais, trazendo contornos de vulnerabilidade ao trabalhador, indisponibilidade de direitos, bem como caracterizando o contrato de trabalho, em muitas das vezes, como um contrato de adesão. Ocorre que, segundo a redação da lei, o magistrado deve recusar a aplicação do negócio jurídico processual em casos de nulidade, ou de inserção abusiva em contrato de adesão, ou quando uma das partes se encontre em situação de vulnerabilidade, além de exigir que o direito convencionado admita autocomposição. E é nesse contexto que surge uma questão problemática a ser desvendada, pois diante dos requisitos dos negócios jurídicos processuais previstos nos artigos 190 e 191 do CPC, seriam estes aplicáveis ao Direito do Trabalho e às relações de emprego? Para responder essa pergunta, há que se adentrar aos três planos do negócio jurídico, conectando-se obrigatoriamente a CLT, o Código Civil e o Código de Processo Civil. Sendo assim, o objetivo geral deste artigo é saber se os negócios jurídicos processuais previstos no CPC são aplicáveis às relações de emprego. O método dedutivo com a análise da lei e da doutrina são as principais metodologias utilizadas, além da análise da jurisprudência quanto ao tema. Como principais resultados, se percebe que os negócios jurídicos processuais podem ser aplicados às relações de emprego, sendo devido para tanto, um balanceamento de princípios. Conclui-se, ainda, que a vulnerabilidade e indisponibilidade de direitos nas relações de emprego não podem ser consideradas como critérios absolutos, sendo que a boa-fé objetiva e a razoabilidade irão nortear o julgador na análise do caso concreto posto à sua apreciação.

Palavras-chave: Negócio jurídico processual, Relação de emprego, Diálogo das fontes.

1. INTRODUÇÃO

Os negócios jurídicos processuais, embora não sejam uma novidade no ordenamento jurídico nacional, só vieram a ser melhor regulamentados com a  vinda do Código de Processo Civil de 2015 (BRASIL, 2015), que trouxe parâmetros específicos para a sua contratação, bem como estabeleceu a intensidade de intervenção do magistrado para a fiscalização das negociações processuais.

Porém, para que o Código de Processo Civil tenha aplicação na seara trabalhista, deve haver uma compatibilidade principiológica com o Direito do Trabalho, além de omissão na CLT quanto ao tema, conforme estabelecido no artigo 762 deste mesmo diploma (BRASIL, 2015).

A eventual vulnerabilidade do trabalhador e a análise do contrato de trabalho como um contrato de adesão ganham contornos expressivos, pois o Código de Processo Civil admite a intervenção do magistrado no controle dos negócios jurídicos processuais entabulados quando uma das partes esteja em situação de vulnerabilidade ou haja inserção abusiva em contrato de adesão (BRASIL, 2015).

As relações de emprego, por sua natureza e na maioria dos casos são marcadas justamente pela vulnerabilidade e hipossuficiência do trabalhador, trazendo uma questão problemática ao estudo do tema, pois será que os negócios jurídicos processuais podem ser validamente aplicados nessas relações?

A problemática acima ganha maiores contornos quando se percebe que os negócios jurídicos processuais são uma espécie do gênero negócio jurídico, sendo que este último está integralmente disciplinado pelo Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002), fazendo com que esse diálogo de diplomas ganhe uma maior expressão, pois a análise da validade dessas convenções também deve passar pelo plano do Direito Civil e Trabalhista.

E é com esses elementos que surge o objetivo principal deste trabalho, que é saber se há compatibilidade entre o Código Civil, o Código de Processo Civil e a CLT para que os trabalhadores empregados possam se utilizar do instituto dos negócios jurídicos processuais, previstos nos artigos 190 e 191 do CPC (BRASIL, 2015).

A metodologia utilizada para responder essa pergunta será em um primeiro momento a verificação dos três planos do negócio jurídico, ou seja, a existência, validade e a eficácia dos negócios jurídicos, teoria desenvolvida pelo jurista Pontes de Miranda, mas com os olhos voltados para as relações de emprego, que denotam uma vulnerabilidade mais acentuada em face da relação entre empregado e empregador.

Estabelecidos os planos do gênero negócio jurídico, a análise do negócio jurídico processual e os seus elementos são de vital importância, conectando o Direito Privado e o Direito Público (Processo Civil) no intuito de se obter uma harmonização para a aplicação da norma jurídica.

A teoria do diálogo das fontes entre em cena para conectar as distintas fontes do Direito em uma sinfonia que traga flexibilidade aos institutos, sem se perder de vista as peculiaridades do Direito do Trabalho, mas de uma forma que nenhuma fonte se sobreponha integralmente sobre a outra, anulando-a.

Em um segundo estágio, a verificação dos elementos dos negócios jurídicos processuais previstos no Código de Processo Civil ganham espaço, pois são desenvolvidos com os olhos voltados para as peculiaridades do Direito do Trabalho, utilizando-se inclusive a análise de julgados dos Tribunais Regionais do Trabalho sobre a interpretação dos negócios jurídicos processuais no âmbito da Justiça do Trabalho.

E é com a análise dos requisitos estabelecidos pelo Código de Processo Civil, como a eventual vulnerabilidade das partes e a inserção abusiva em contrato de adesão é que se adentrará mais especificamente na seara fática trabalhista, estabelecendo os seus contornos e avaliando os principais benefícios ou prejuízos da aplicação deste instituto jurídico.

Os métodos de estudo e análise podem ser enumerados separadamente por uma questão de didática, como a verificação dos três planos dos negócios jurídicos processuais, a utilização do diálogo das fontes e os princípios, valores e normas trabalhistas, mas a sua aplicação deverá ser conjunta diante de cada caso concreto, como se perceberá ao longo deste artigo e o que se passa a discorrer.

2. AS DEFINIÇÕES DO NEGÓCIO JURÍDICO E DO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL

Tema central neste estudo conforme já discorrido é saber em primeira mão, se o negócio jurídico nas relações de emprego, pode ser considerado como existente, válido e eficaz. Para tanto, não há como deixar de lado o estudo do Direito Material por meio do Código Civil e dos negócios jurídicos como gênero do qual o negócio jurídico processual é espécie.

Adiante no assunto, os negócios jurídicos atingem um lugar de destaque na sociedade contemporânea, especialmente na sua modalidade contratual. Tendo em vista o desenvolvimento das relações humanas e a criação das sociedades hipercomplexas com a expansão do sistema econômico sobre a vida quotidiana, levou os indivíduos particulares a buscarem uma maior segurança em suas relações, utilizando-se assim de premissas institucionalizadas e sobretudo pelo direito contratual (SOARES, 2011).

Mas para adentrar nos domínios do Direito Privado e abordar o instituto do negócio jurídico, necessário se faz a análise de conceitos basilares como fato, ato e negócio jurídico que são perfeitamente aplicáveis às relações de emprego.

Importante discorrer sobre o conceito de fato, que inicialmente significa qualquer ocorrência que interessa ou não ao direito, ao âmbito jurídico. Dentro dessa seara factual, surgem os fatos não jurídicos, aqueles que são irrelevantes para o estudo aqui apresentado, e os fatos jurídicos, caracterizando-se como qualquer ocorrência com repercussão para o direito, ou seja, fatos com repercussões jurídicas (TARTUCE, 2019).

Desse modo, os fatos jurídicos podem ser classificados em fatos naturais e fatos humanos. Os primeiros decorrem de simples manifestação da natureza e os segundos da atividade humana. Os fatos naturais podem ser divididos em ordinários, como por exemplo o nascimento e a morte, que constituem o tempo inicial e final da personalidade; e em extraordinários, que se enquadram em geral, na categoria dos casos fortuitos e de força maior (GONÇALVES, 2020).

Já os fatos humanos ou atos jurídicos em sentido amplo são ações humanas que criam, modificam, transferem ou extinguem direitos e dividem-se em lícitos e ilícitos. Os atos lícitos, por sua vez, dividem-se em ato jurídico em sentido estrito ou meramente lícito; negócio jurídico e ato-fato jurídico (GONÇALVES, 2020).

O ato jurídico em sentido estrito configura-se quando houver objetivo de mera realização da vontade do titular de um determinado direito, não havendo a criação de instituto próprio para regular direitos e deveres, muito menos composição de vontade entre as partes envolvidas. Já o negócio jurídico é o fato jurídico com elemento volitivo qualificado, cujo conteúdo seja lícito, visando a regular direitos e deveres específicos de acordo com o interesse das partes envolvidas (TARTUCE, 2019).

Por fim, o ato-fato jurídico caracteriza-se como a consequência de um ato sem levar em consideração a vontade de praticá-lo. O efeito do ato não é buscado e nem imaginado pelo agente, mas decorre de uma conduta e é sancionado pela lei, como no caso da pessoa que acha, casualmente, um tesouro (GONÇALVES, 2020).

Com a apresentação desses conceitos, já se percebe desde o início que os elementos mais importantes para o desenvolvimento do estudo dos negócios jurídicos processuais são a vontade das partes, o objeto pactuado e eventuais limites impostos pela legislação, pilares estes de extrema relevância para o Direito do Trabalho, considerando a presunção de vulnerabilidade do trabalhador brasileiro.

Antes de classificar ou conceituar o negócio jurídico processual, pode-se definir o negócio jurídico como sendo toda a ação humana bilateral ou plurilateral de autonomia privada, onde as partes regulam os seus interesses (desde que lícitos) e vontades com a intenção de produzir os efeitos jurídicos desejados (TARTUCE, 2019).

Assim, o negócio jurídico em resumo se caracteriza como sendo o comportamento humano voluntário, em razão dos quais os direitos nascem, se modificam ou se extinguem entre eles (PEGHINI, 2017).

Já o negócio jurídico processual, embora contenha os mesmos elementos que o negócio jurídico típico do Direito Privado, possui também outras características de constituição, pois encontra-se em seu núcleo uma parcela do direito público vinculada ao ramo do direito processual.

Há um entendimento consolidado de que a natureza jurídica das normas processuais é de direito público, visto que se propõem a conduzir uma relação jurídica existente entre o Estado e os particulares. Em decorrência dessa percepção, passou-se a abordar as normas processuais sob o ponto de vista cogente, isto é, obrigatório, mesmo que venha a constranger a vontade do indivíduo, bastando haver a relação de casualidade para que a norma incida sobre ele (PONTE e ROMÃO, 2015).

Parece então que ocorreu um encontro improvável de dois mundos que, para muitos, seriam tão distantes quanto incompatíveis. Normalmente retratado como um dissenso, uma disputa, já descrito como um jogo, uma guerra ou duelo, o processo carregaria sempre a beligerância infensa ao consenso e ao encontro de vontades. Por outro lado, os “acordos” ou “convenções”, pautados pelo voluntarismo e pela liberdade, respeitariam uma lógica contratual privada, infensa aos espaços publicistas do direito processual (CABRAL, 2020).

Embora possam parecer ramos incompatíveis do direito, as diferenças devem ser ajustadas para a correta aplicação da regra jurídica prevista no Código de Processo Civil.

Cumpre destacar que o negócio jurídico processual não foi uma novidade trazida pelo CPC de 2015 em seus artigos 190 e 191 (BRASIL, 2015), pois além de existir previsão em outros artigos deste mesmo diploma, já era previsto no Código de Processo Civil de 1973 a possibilidade de celebração de convenção de arbitragem (arts. 267, VII e 301, IX) e eleição de foro (art. 111) (BRASIL, 1979).

Analisando em específico o teor dos artigos 190 e 191 do CPC de 2015, já se percebe os limites impostos pelo legislador, atrelando o negócio jurídico à disponibilidade do seu objeto; à capacidade das partes; conferindo ainda poder de polícia ao magistrado para declarar a sua invalidade em caso de nulidade, observando sempre a questão dos contratos de adesão e a vulnerabilidade das partes (BRASIL, 2015).

Levando em consideração as características trazidas pela regra jurídica, o professor Antonio do Passo Cabral (2020) conceitua o negócio jurídico processual ou convenção processual da seguinte maneira:

Convenção (ou acordo) processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem necessidade da intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento.

Para o professor Fredie Didier Junior (2016), o negócio processual é o fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se confere ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento.

Outra análise dos negócios jurídicos processuais é feita pelo professor Luiz Antonio Ferrari Neto (2016), que em sua tese de doutorado, afirmou que, de acordo com sua pesquisa, os fatos, atos e negócios jurídicos processuais nada mais são do que fatos, atos e negócios jurídicos que trazem consequência para o processo.

O negócio jurídico processual, embora os conceitos aqui trazidos digam em sua maioria respeito ao processo judicial, cabe relembrar que este instituto pode ser celebrado antes de qualquer processo judicial, como por exemplo, a convenção de arbitragem.

Especificamente quanto ao processo, cumpre esclarecer ainda, que os negócios jurídicos processuais podem ser relativos ao objeto litigioso do processo, como o reconhecimento da procedência do pedido, e podem ser negócios jurídicos processuais que têm por objeto o próprio processo, em sua estrutura, como o acordo para suspensão convencional do procedimento. O negócio que tem por objeto o próprio processo pode servir para a redefinição das situações jurídicas processuais (ônus, direitos, deveres processuais) ou para a reestruturação do procedimento (DIDIER JUNIOR, 2016).

Desse modo, delimitando e estabelecendo a base de estudo para a continuação da abordagem, passa-se a estudar especificamente os planos dos negócios jurídicos processuais, analisando os elementos que conferem existência, validade e eficácia ao entabulado pelas partes, considerando as características das relações de emprego.

3. A TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES APLICADA AOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

Para tratar da existência, validade e eficácia dos negócios jurídicos processuais nas relações de emprego, a análise desses elementos deve ser realizada de maneira conjunta entre o direito do trabalho, o direito civil e o direito processual, momento em que a teoria do diálogo das fontes entra em cena.

Embora a teoria criada pelo ilustre jurista Pontes de Miranda diga respeito apenas aos negócios jurídicos afetos ao direito civil, não há motivos para que a análise seja separada, pois não se pode interpretar o direito em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir de seu texto até a Constituição, pois um texto de direito isolado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum (GRAU, 2009).

Não se afigura despiciendo lembrar que o próprio artigo 1º do Código de Processo Civil ensina que o Processo Civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição Federal de 1988, assim como a própria CLT e o Código Civil (BRASIL, 2015).

Os negócios jurídicos estão presentes em todas as relações do Direito, até mesmo naquelas relações marcadas por uma desigualdade substancial, como é o caso das relações de emprego, devendo o magistrado avaliar o caso de acordo com as suas peculiaridades, utilizando-se do diálogo de fontes para adequar e aplicar a norma ao caso específico.

Mas para isso, algumas premissas devem ser observadas para que o ordenamento jurídico não seja “atropelado” com a utilização de regras jurídicas inadequadas às situações postas à apreciação do julgador, pois em vários momentos o Código Civil (BRASIL, 2002) e o Processual Civil (BRASIL, 2015) irão se conectar com a CLT (BRASIL, 1943), naquilo em que não sejam incompatíveis, utilizando sempre a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) como parâmetro norteador.

A teoria conhecida como “diálogo das fontes” foi originalmente desenvolvida na Alemanha pelo professor Erik Jayme, e introduzida no Brasil pela professora Claudia Lima Marques. A ilustre jurista ensina que a palavra “diálogo” usada por Erik Jayme possui três sentidos principais, quais sejam: Plasticidade; influências e aproveitamentos recíprocos; e harmonia (BENJAMIN e MARQUES, 2018).

A plasticidade possui uma lógica contrária à rigidez do “monólogo”, avessa ao discurso metodológico tradicional onde um método deve obrigatoriamente aniquilar outro, mas sim “dialogar”. O sentido da plasticidade é ponderar os valores para que nenhuma delas sejam anuladas, ponderando os seus valores e beneficiando direitos que não seriam reconhecidos caso fossem utilizadas as regras genéricas tradicionais de aplicação das normas jurídicas (BENJAMIN e MARQUES, 2018).

Diálogo também é sinônimo de convivência ou aproveitamento (influências) recíprocos, em que se superam as barreiras que separam as fontes do direito, trazendo porosidade e entrelaçamento, fazendo com que os valores e as lógicas convivam mutuamente (BENJAMIN e MARQUES, 2018).

A harmonia prevalece na utilização da pluralidade das fontes de modo que se preservem os valores e princípios constitucionais, assegurando os direitos humanos e fundamentais, conciliando micro e macro sistemas legais, propiciando uma melhor proteção aos direitos de minorias e os mais vulneráveis dentro de uma relação (BENJAMIN e MARQUES, 2018).

Para a aplicação desta teoria no mundo contratual (como a contratação do negócio jurídico) deve ser avaliada a aproximação principiológica entre os sistemas jurídicos estudados, resguardando cada qual com os seus pontos sensíveis de proteção, considerando ainda os metacritérios comuns para situações de antinomias ou conflitos de normas, como a título de exemplo o critério hierárquico, de especialidade e cronológico (TARTUCE, 2019).

A título exemplificativo, o professor Flávio Tartuce (2019) aborda a possível correlação e o diálogo de fontes entre a CLT e o Código Civil, destacando que:

Para esse diálogo, de início, é importante apontar que o Direito do Trabalho é ramo do direito Privado, assim como é o Direito Civil. Quanto ao contrato de trabalho, a sua própria concepção é feita com vistas à proteção do vulnerável dessa relação privada, o empregado ou trabalhador. Há tempos que o Direito do Trabalho lida com a diferença existente no contrato em questão visando a tutelar camadas da população desprotegida e desamparadas. Talvez a legislação trabalhista seja o primeiro exemplo de dirigismo contratual, de intervenção do Estado e da lei nos contratos.

Conforme o art. 8º da CLT, o direito comum e, logicamente, o Direito Civil são fontes subsidiárias do Direito do Trabalho. Na verdade, pela aplicação da tese do diálogo das fontes, o que se propõe é uma nova leitura desse comando legal. Não se deve mais considerar o Direito Civil como simples fonte subsidiária, mas, em alguns casos, como fonte direita do Direito do Trabalho (TARTUCE, 2019, p. 119).

Em complementação ao raciocínio exposto, os negócios jurídicos processuais sofrem a intervenção direta do Direito Civil em um primeiro momento, sem deixar de ressaltar que dependendo da relação contratual, outros sistemas específicos serão trazidos para a resolução de eventual conflito, como por exemplo, no presente estudo, a CLT (BRASIL, 1943).

Mas para a aplicação simultânea do Direito Civil para com a CLT, deve ser observado o respeito a principiologia garantidora da máxima efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais Trabalhistas, vez que o ordenamento jurídico nacional adota o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, insculpida no artigo 7º, caput, da Constituição Federal de 1988 (LEITE, 2015).

Estabelecidos tais parâmetros, passa-se ao estudo dos três planos do negócio jurídico processual.

4. DO PLANO DA EXISTÊNCIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

O plano da existência traça os limites entre o que é e o que não é jurídico. Somente a partir daí é que se poderá cogitar da validade, invalidade, eficácia ou ineficácia do ato jurídico. Só se cogita da nulidade, anulabilidade ou outro tipo de invalidade, ou de ineficácia daquilo que juridicamente existe. É algo que não pode ser disposto pelo legislador (NOGUEIRA, 2020).

Para que algo valha é preciso que exista. Não tem sentido falar-se de validade ou de invalidade a respeito do que não existe. A questão da existência é questão prévia (MIRANDA, 1983).

Diante desse plano surgem apenas substantivos, sem qualquer qualificação, ou seja, substantivos sem adjetivos. Esses substantivos são: partes (ou agentes), vontade, objeto e forma. Não havendo algum desses elementos, o negócio jurídico é inexistente, defendem aqueles autores que seguem à risca a teoria de Pontes de Miranda (TARTUCE, 2019).

O Código Civil harmoniza-se com a sistematização científica que distingue os três planos – o da existência, o da validade e o da eficácia -, se bem que ausente referência expressa ao primeiro. Não obstante tal silêncio, é intuitivo que, para se pôr a questão relativa à validade, ou a relativa eficácia, é preciso que se esteja diante de um negócio jurídico existente (MOREIRA, 2011).

Não há uniformidade entre os doutrinadores quanto quais seriam os elementos estruturais do requisito da existência do negócio jurídico, sendo que para o professor Carlos Roberto Gonçalves, faltando a declaração de vontade, finalidade negocial ou idoneidade do objeto, o negócio jurídico seria inexistente (GONÇALVES, 2020).

Não seria diferente com o negócio jurídico processual, pois a presença das partes no processo, a vontade em proceder com a autorregulação diante de um objeto específico (ônus, poderes, faculdades e deveres processuais) e na forma em que a lei lhe estabelece os parâmetros, parecem ser os elementos mínimos para tal convenção, conforme artigo 190 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015).

O professor Manoel Antonio Teixeira Filho (2019), embora entenda que os negócios jurídicos processuais estabelecidos no Código de Processo Civil sejam incompatíveis com o Processo do Trabalho, contribui com o tema esclarecendo que:

O novo CPC estimula, sem dúvida, a realização de negócios jurídicos processuais, como evidenciam os seus arts. 168, 190, 191 e 471. Devemos saber, contudo, que dentre os pressupostos doutrinários para a realização desse negócio jurídico adquirem especial relevância os seguintes: a) a manifestação volitiva dos litigantes deve ser consciente, livre e promovida de boa fé; b) deve existir igualdade substancial entre os litigantes. Esses pressupostos ajustam-se, como a mão à luva aos direitos civil e processual civil (TEIXEIRA FILHO, 2019).

Porém, há a necessidade de se destacar que todo negócio jurídico deve ser interpretado em consonância com os artigos 112 e 113 do Código Civil, atendendo preferencialmente à intenção da vontade do que no sentido literal da linguagem, bem como a boa-fé deve estar presente, levando em consideração os usos e costumes do lugar, respectivamente (PEGHINI, 2017).

Nas relações de emprego, ainda permanece a questão sobre como pode se dar essa declaração da vontade do trabalhador, já que está permanentemente subordinado ao seu empregador, havendo uma vulnerabilidade ínsita a situação, que merece cuidados na avaliação da negociação, inclusive quanto ao objeto e a forma na qual foram entabulados.

Como pilares norteadores para sanar eventual questão nas relações empregatícias, os princípios da boa fé objetiva e da real vontade do trabalhador devem ser sempre empregados, para que somente após, possa-se passar ao próximo degrau, adentrando ao mérito da validade dos negócios jurídicos processuais, trazendo os adjetivos aos substantivos acima expostos.

5. DA VALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

Já neste segundo “degrau”, o da validade, os substantivos já indicados ganham os seus adjetivos, suas qualificações, ou seja, as partes ou agentes devem ser capazes; a vontade deve ser livre, sem vícios; objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei, elementos estes previstos no artigo 104 do Código Civil (TARTUCE, 2019).

Vale ressaltar que a validade não comporta gradações, mas a invalidade, sim. Se a lei estabelece que um defeito específico é dotado de alta relevância, faz nulo o negócio; se tem por menos relevante, apenas o faz anulável (MOREIRA, 2011). O destaque se torna importante e pertinente ante à redação do parágrafo único do artigo 190 do Código de Processo Civil, que limita o controle do magistrado apenas nos casos de nulidade e não de anulabilidade (BRASIL, 2015).

Nulo e anulável existem. O nulo é ato que entrou no mundo jurídico, embora nulamente, mas também entra, menos débil, o suporte fático do negócio jurídico anulável (MIRANDA, 1983).

Mas, para que o ato jurídico seja considerado válido, é preciso que ele seja apto e permaneça atuante dentro da seara jurídica em que ele foi inserido ou poderá ser inserido. É nesse momento que o ato deverá ser eficiente, ou seja, não conter qualquer deficiência para que seus efeitos sejam irradiados (eficácia) (MIRANDA, 1983).

Desse modo, não parece restar dúvidas quanto à aplicação do artigo 166 e seguintes do Código Civil, em que são estabelecidos os casos de nulidade dos negócios jurídicos e validamente aplicáveis aos negócios jurídicos processuais (BRASIL, 2002).

Quanto à redação da regra jurídica estabelecida no artigo 190, estabelece-se que o direito discutido deve admitir a autocomposição e que as partes devem ser capazes, possibilitando a contratação do negócio jurídico processual antes ou durante o processo (BRASIL, 2015).

Quanto à capacidade das partes, não aparenta haver controvérsia quanto à necessidade de observação dos artigos 3º e 4º do Código Civil (BRASIL, 2002), em que as partes devem ser plenamente capazes para a celebração da convenção processual, bem como possuir capacidade processual nos termos dos artigos 70 e 71 do CPC (BRASIL, 2015).

Mas além da capacidade civil, o parágrafo único do artigo 190 (BRASIL, 2015) traz consigo um elemento axiológico de validade, ou seja, quando uma das partes se encontrar em situação de vulnerabilidade é franqueado ao magistrado a possibilidade de recusar a avença celebrada e é nesse exato momento que a possível aplicação dos negócios jurídicos processuais às relações de emprego chega ao seu clímax, pois a vulnerabilidade do trabalhador é ponto fundamental a ser explorado.

5.1  DA VULNERABILIDADE DAS PARTES

Dentro do plano da validade, se encontram os requisitos impostos pelo Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), como a questão da existência ou não da vulnerabilidade de uma das partes, a inserção abusiva de cláusulas no contrato de adesão, bem como a admissão de autocomposição dos direitos negociados.

Iniciando pela questão da vulnerabilidade, parece que o legislador de maneira propositada se utilizou do termo “vulnerabilidade” de maneira genérica para conferir ao magistrado maior poder de avaliação ao caso posto à sua apreciação, considerando quem são as partes e qual é o objeto da convenção, possibilitando assim, mesmo nos casos em que o direito discutido admita uma autocomposição, negar validade à avença quando uma das partes esteja em uma posição vulnerável.

Há que se fazer uma breve distinção entre a diferença dos termos “vulnerabilidade” e “hipossuficiência”, pois são termos assimétricos que estão preponderantemente inseridos no Direito do Trabalho e que geralmente são confundidos.

Mostra-se oportuno fazer menção sobre os comentários ao Código de Defesa do Consumidor realizado pelos autores do anteprojeto, vez que este diploma se caracteriza como um micro sistema destinado a proteger uma parcela específica de pessoas vulneráveis, assim como a CLT, cada qual no seu campo de atuação, mas que se comunicam, como por exemplo a ampla utilização das definições sobre os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos lançados na Lei 8.078/90 ao Direito Coletivo do Trabalho e às relações trabalhistas ante a lacuna normativa existente na CLT (GRINOVER et al., 2011).

Para os autores do anteprojeto, pode-se discorrer sobre a hipossuficiência da seguinte maneira:

Hipossuficiência, como se sabe, é terminologia do chamado Direito Social, ou Direito do Trabalho, e que deve ser, aqui, a conotação de pobreza econômica. É mister que não se confunda hipossuficiênciastricto sensu”, de cunho eminentemente econômico, com vulnerabilidade, que, como já visto, é o apanágio de todo e qualquer consumidor, em decorrência de sua desinformação técnica, fática ou dificuldades de acesso aos meios de resolução dos conflitos de consumo (GRINOVER et al., 2011, p. 164).

Igualmente pertinente são as lições da professora Roberta Densa e do Professor Adolfo Mamoru Nishiyama (2011), quando discorreram sobre a questão da vulnerabilidade do consumidor:

Como dissemos, a vulnerabilidade não se confunde com a hipossuficiência (DENSA e NISHIYAMA, 2011). O significado de (pessoa) hipossuficiente ensinado pelos dicionaristas é o seguinte: “Diz-se de, ou pessoa que é economicamente fraca, que não é autossuficiente” (FERREIRA, 1986). Para o CDC, a vulnerabilidade é a regra para todos os consumidores, mas nem todos são hipossuficientes. Por exemplo, o art. 6º., VIII, do CDC, estabelece, dentre os direitos básicos do consumidor: “a facilitação da defesa dos seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. A hipossuficiência deve ser analisada pelo magistrado, no caso concreto, e é caracterizada quando o consumidor apresenta traços de inferioridade cultural, técnica ou financeira (DENSA, 2006).

Há que ser ressaltado que este estudo trata especificamente das relações de emprego, ou seja, analisa os negócios jurídicos processuais que porventura possam ser inseridos na realidade daqueles trabalhadores que se enquadram nos termos do artigo 3º da CLT (BRASIL, 1943), afastando assim os trabalhadores autônomos, avulsos, dentre outros.

O trabalho subordinado por si só já traz uma vulnerabilidade ao trabalhador que obrigatoriamente depende do seu emprego para o sustento de todas as necessidades que a atual sociedade pode exigir do ser humano.

A Ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal, lembrou que a desigualdade substancial é ínsita ao vínculo de emprego, pois a vulnerabilidade está presente no momento em que o ser humano aliena antecipadamente o resultado do seu trabalho a quem lhe dirige a atividade, motivo pelo qual o princípio tuitivo, orientador do Direito do Trabalho deve ser aplicado para “equilibrar os pratos da balança” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2019).

Pelas afirmações da Ministra, poderia entender-se que os negócios jurídicos processuais não seriam aplicáveis às relações de emprego ante a vulnerabilidade natural havida entre empregado e empregador, pois existiria uma considerável fragilidade na manifestação da sua vontade em realizar a contratação do negócio jurídico daquele que necessita do emprego para sobreviver.

Ocorre que com a promulgação da Lei 13.467/2017 e a inserção na CLT do artigo 507-A, houve a autorização expressa, para que os chamados empregados “hipersuficientes” celebrem negócio jurídico processual por meio de cláusula compromissória de arbitragem, indicando por uma análise lógica da lei, que nem todo trabalhador empregado encontra-se em manifesta situação de vulnerabilidade (BRASIL, 2017).

Além dessa questão ínsita ao direito material, há que se voltar os olhos para o direito processual, ramo do direito público, onde a desigualdade entre as partes não pode preponderar, devendo o magistrado zelar pelo efetivo contraditório e paridade de armas, comandos previstos no artigo 7º do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), tornando a vulnerabilidade processual mais rarefeita em relação ao direito material.

Dessa forma, afigura-se razoável a interpretação de que a vulnerabilidade descrita no artigo 190 do Código de Processo Civil não merece uma presunção absoluta automaticamente importada do direito material em situações específicas (BRASIL, 2015).

Na aplicação do ordenamento jurídico, o magistrado deve observar a proporcionalidade e razoabilidade na busca dos fins sociais e das exigências do bem comum (art. 8º do CPC), indicando que os mesmos parâmetros devem guiar a atuação do julgador na avaliação da vulnerabilidade da parte para a celebração do negócio jurídico processual (BRASIL, 2015).

Tais disposições do Código de Processo Civil são plenamente aplicáveis às relações de emprego, em razão da autorização expressa na CLT, contidas no artigo 8º caput e parágrafo primeiro e no caput do artigo 769 do diploma celetista (BRASIL, 2015).

Importantes são as lições da professora Fernanda Tartuce (2016) quanto ao tema e a análise do artigo 190 do Código de Processo Civil, ensinando que:

Tratando-se de convenção sobre normas de processo, pressupõe-se que as partes estejam em condições razoáveis de igualdade para negociar em termos de informação, técnica, organização e poder econômico. Caso contrário, a disposição sobre o procedimento pode ser manipulada pela parte mais poderosa com vistas a se livrar de ônus e deveres, dificultando a atuação da parte mais fraca (TARTUCE, 2016).

Já em relação à redação da lei, a Professora explica que:

Sem definir nem especificar os critérios de identificação da vulnerabilidade, o dispositivo parece se referir a um conceito mais amplo que pode ser compatibilizado com a definição já exposta: a convenção não será válida quando um litigante estiver em clara situação de desvantagem em relação ao outro, estando suscetível a ponto de ter sua atuação em juízo prejudicada por qualquer dos fatores apontados (insuficiência econômica, desinformação pessoal, problemas de técnica jurídica, etc) (TARTUCE, 2016).

Segundo as lições acima expostas, percebe-se que o radicalismo interpretativo não possui espaço, ou seja, considerar-se de maneira absoluta que todo e qualquer trabalhador empregado é vulnerável, e por via de consequência, qualquer negócio jurídico processual celebrado deve ser considerado nulo, afastaria a letra da lei bem como a vontade do Legislador.

Por outro lado, tornar válido todo e qualquer negócio jurídico processual celebrado na seara trabalhista atentaria contra o princípio tuitivo do Direito do Trabalho, sendo indispensável uma ponderação de valores a cada situação concreta posta à apreciação do magistrado.

A título de exemplo e argumentação, a própria inversão do ônus probatório nas relações trabalhistas e de consumo admitem exceções e devem ser aplicadas de acordo com o critério do julgador e as circunstâncias do caso, conforme artigos 818, §1º da CLT (BRASIL, 1943) e artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990).

Diante das regras jurídicas analisadas, não há como estabelecer parâmetros fixos para a validação das convenções processuais das partes, pois o plano fático individualmente considerado é que deve ser observado pelo magistrado em cada situação, verificando se há desproporcionalidade quanto aos ônus, deveres, faculdades processuais e acesso ao amplo contraditório.

Pertinente ao tema debatido, o professor Eros Roberto Grau assevera que a norma se encontra, em estado de potência, involucrada no texto. Mas ela se encontra assim involucrada apenas parcialmente, porque os fatos também a determinam, ou seja, a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos que se desprendem do texto (mundo do dever ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade (mundo do ser). Interpreta-se também o caso, necessariamente, além dos textos e da realidade – no momento histórico no qual se opera a interpretação – em cujo contexto serão eles aplicados (GRAU, 2009).

Em face dos pensamentos expostos, parece que a análise da vulnerabilidade exposta no artigo 190 do Código de Processo Civil deve levar em consideração qual é o objeto de litígio (direito material) entre as partes e a natureza do negócio jurídico processual (direito processual), ou seja, se se trata de uma calendarização ou se é referente à produção de uma prova central para o deslinde da controvérsia e quais são os possíveis resultados práticos para cada uma das partes com a celebração do negócio (BRASIL, 2015).

Mas para auxiliar o operador jurídico na discussão da vulnerabilidade, o estudo da disponibilidade dos direitos que admitam a autocomposição é caminho inevitável e que se passa a estudar neste próximo subitem.

5.1.1  DOS DIREITOS QUE ADMITEM A AUTOCOMPOSIÇÃO

Este tema, embora em um primeiro momento possa parecer de simples resolução e conclusão, não o é, pois, definir o que seria direito e quais direitos admitem autocomposição não demonstra ser tarefa fácil.

Em um primeiro plano se percebe que o legislador escolheu utilizar a expressão “direitos que admitem autocomposição” ao invés de direitos patrimoniais disponíveis como na Lei de Arbitragem (BRASIL, 1996) ou até mesmo se utilizar de uma redação que vedaria a celebração dos negócios jurídicos processuais que envolvessem direitos indisponíveis ou fundamentais.

Por uma linha de raciocínio, haveria uma diferenciação entre direitos indisponíveis e direitos que admitem autocomposição, pois a autocomposição é uma técnica e não está vinculada com o detentor do direito material. Direitos que não admitem autocomposição estariam mais ligados àqueles direitos que necessitam de manifestação e tutela do Estado, fato que inviabilizaria em tese uma negociação direta e apenas entre as partes do processo (NETO e GUIMARÃES, 2017).

Mas mesmo para os adeptos deste pensamento, nessas condições, tal necessidade de manifestação estatal não deveria inviabilizar o negócio jurídico processual, pois nem sempre o direito estabelecido pelo sistema processual, que é genérico, seria a melhor solução para as partes litigantes. O direito indisponível ou a indisponibilidade da pretensão judicial por si só não afastaria a possibilidade do negócio jurídico processual, devendo nesse caso, haver manifestação do magistrado ou de quem possui competência para atuar como fiscal da ordem jurídica no controle da validade do negócio jurídico processual (NETO e GUIMARÃES, 2017).

Para os que entendem de maneira diversa e interpretam os “direitos que admitam autocomposição” como aqueles que são disponíveis e patrimoniais, há uma outra tarefa a ser desvendada, no caso, saber então quais e o que são os direitos indisponíveis que trariam em tese a invalidade do negócio jurídico processual.

Em pesquisa sobre o tema da indisponibilidade de direitos fundamentais, a professora Letícia de Campos Velho Martel expõe que nem todos os direitos fundamentais são indisponíveis, sendo que a casuística é que determinará a disponibilidade ou não de um direito de acordo com a análise da jurisprudência e da lei em casos específicos (MARTEL, 2011).

Complementou ainda que os julgados que analisou em seu trabalho tornou evidente que o conceito de “indisponível” aplicado nem sempre era o mesmo. Em alguns, trata-se de direito não suscetível de abdicação total ou parcial, transação, acordo ou renúncia, desencadeada por manifestação do titular. Em outros, de direito gravado pelo interesse público ou coletivo, sem que isto implique, necessariamente, a impossibilidade de abdicação, concluindo ao final, que existe um problema conceitual na definição da palavra “indisponível” e mais especificamente na palavra “direito fundamental” (MARTEL, 2011).

Levando em consideração de que não há direito absoluto no ordenamento jurídico nacional, pois até mesmo o direito à vida pode ser flexibilizado, como nos casos das excludentes de ilicitude (Art. 23, incisos I, II e III do Código Penal) (BRASIL, 1940) ou em situação de guerra declarada (Art. 5º, inciso XLVII, alínea “a” da CF/88)  (BRASIL, 1988), resta saber se o intuito do Código de Processo Civil foi o de dar maior protagonismo as partes ou deixar à autoridade judiciária a posição de destaque para a celebração dos negócios jurídicos processuais.

A solução consensual dos conflitos e a utilização da mediação, conciliação e arbitragem passaram a ser ideais incentivados pelo Estado, advogados, juízes e membros do Ministério Público, de acordo com a redação dos parágrafos do artigo 3º do CPC de 2015 (BRASIL, 2015). A autocomposição passou a ser um objetivo a ser buscado pelo próprio magistrado, conforme artigo 139, inciso V do Código de Processo Civil, sem a indicação ou estabelecimento de qualquer limite ou restrição (BRASIL, 2015).

Ao incentivar a solução consensual dos conflitos e buscar a autocomposição, o Legislador conferiu maiores poderes à vontade das partes para dirimirem suas lides, aclarando uma intenção pacificadora ao invés de promover o litígio sob a administração exclusiva do Estado.

No caso das relações de emprego, a CLT por meio da Lei 13.467/2017 foi alterada para privilegiar o princípio do negociado sobre o legislado, fixando os limites e direitos que admitem ou não a negociação (Arts. 611-A e 611-B da CLT), prevendo de maneira expressa como já dito anteriormente, a arbitragem nas lides individuais do trabalho, por meio do artigo 507-A, conferindo maior autonomia a determinados trabalhadores (BRASIL, 2017).

Quanto ao tema da disponibilidade dos direitos trabalhistas, o Professor Francisco José Cahali leciona da seguinte maneira:

Neste particular, a repercussão da Reforma Trabalhista é positiva, pois reconhece, em última análise, a disponibilidade do direito em si, ao permitir a convenção arbitral a seu propósito. Ora, não se poderia sustentar que a disponibilidade do direito está relacionada aos valores envolvidos, e assim, o Legislador confirma a possibilidade de sua submissão ao Juízo Arbitral. Em outras palavras, a novel orientação legislativa, ainda que voltada à situação pontual – trabalhador com remuneração elevada, acaba por admitir a disponibilidade dos direitos trabalhistas. Aliás, esta posição é bem marcada na Reforma, pela qual, em diversas passagens, e como princípio orientador das modificações, prestigia a flexibilidade das regras em prestígio às negociações entre as Partes (individuais e/ou coletivas), preservados evidentemente as garantias constitucionais (CAHALI, 2020).

O próprio artigo 190 do CPC ensina que o magistrado possui uma atuação mais contida, pois somente se manifestará em casos de nulidade, vulnerabilidade das partes ou inserção de cláusula abusiva em contrato de adesão, diminuindo a sua discricionariedade na avaliação do entabulado (BRASIL, 2015).

Se em um sistema jurídico marcado pela vulnerabilidade de uma das partes o Legislador optou por conferir maior poder de negociação entre os agentes ali inseridos, parece que a mesma interpretação deve ser dar com o Código de Processo Civil, principalmente pelo fato de este último se aplica a todas as relações de maneira residual, havendo partes vulneráveis ou não (BRASIL, 2015). Cabe ressaltar que o Código de Processo Civil é fonte subsidiária e supletiva para outros ramos do direito (Art. 15 do CPC), fator que reforça a unicidade desta interpretação (BRASIL, 2015).

Dessa forma, havendo uma maior flexibilização da lei em razão da vontade das partes e indicando os limites e circunstâncias de atuação do magistrado para a avaliação dos negócios jurídicos processuais, a casuística deve prevalecer na análise da validade do contrato, observando não apenas o direito material que se busca negociar, mas também e principalmente as próprias garantias e regras do processo à que se busca a alteração conforme sua natureza.

Os Tribunais Regionais do Trabalho já vêm se manifestando acerca dos negócios jurídicos processuais entabulados nos seus domínios, conferindo validade e traçando contornos de interpretação.

Como exemplo, TRT da 02ª Região teve oportunidade de se manifestar nos autos de um agravo de petição, em que questionava-se um acordo entabulado no processo em que uma das empresas reclamadas estava postulando a limitação da sua responsabilidade solidária ao pagamento de honorários periciais, custas e contribuições previdenciárias, sob o argumento de que no acordo realizado, a responsabilidade solidária se dava apenas em relação ao pagamento dos valores ao reclamante, não abrangendo os acessórios da condenação (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 02ª REGIÃO, 2021).

Porém, o Tribunal assentou que a transação judicial é espécie de negócio jurídico processual que deve ter a vontade das partes interpretada segundo a boa-fé, verificando especialmente perante o que seria razoável negociar tendo em vista ao objeto da lide e as provas produzidas, e o que seria racionalmente esperado transacionar no momento da pactuação (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 02ª REGIÃO, 2021).

Com base no artigo 113, §1º, inciso V do Código Civil, a Turma asseverou que a boa-fé e a razoabilidade devem estar presentes no momento da interpretação do negócio jurídico processual, não sendo razoável atribuir a responsabilidade solidária apenas para os valores devidos ao autor e desguarnecer monetariamente o perito judicial e os cofres públicos (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 02ª REGIÃO, 2021).

O Relator ressaltou ainda que, mesmo que o artigo 843 do Código Civil determine a interpretação restritiva das transações, asseverou que esta última é espécie do gênero negócio jurídico, fato pelo qual faz com que a norma seja aplicada em conjunto com as regras sobre a boa-fé negocial (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 02ª REGIÃO, 2021).

No mesmo sentido foi a conclusão do TRT da 15ª Região ao analisar outro Agravo de Petição, em que a empresa reclamada apresentava objeção ao vencimento antecipado das parcelas do acordo não cumprido. Na hipótese, a empresa argumentava que não havia cláusula específica no acordo dispondo que em caso de inadimplemento, as demais parcelas vincendas teriam o seu vencimento antecipado, de modo que o reclamante deveria executar uma a uma as parcelas do acordo caso inadimplidas (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 15ª REGIÃO, 2020).

O Relator do acórdão, o Desembargador Guilherme Guimarães Feliciano afirmou que a pretensão da agravante não poderia ser acolhida, pois toda transação judicial tinha natureza de negócio jurídico e sendo assim, a interpretação deve seguir a proposta de negociação das questões, da racionalidade das partes no momento da sua celebração, da razoabilidade e da boa-fé, analisando-se então, o acordo em conjunto com todas as suas disposições e não apenas aos pedaços, respeitando o artigo 113, §1º, incisos II e V do Código Civil (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 15ª REGIÃO, 2020).

Em continuação, o magistrado informou que a interpretação desse negócio jurídico deve ser benéfica para a parte trabalhadora, em razão do princípio do “favor laboratoris”, pois, se há no acordo previsão para constrição imediata em razão da mora, sendo que esta última poderia ser denunciada pelo reclamante, a melhor boa-fé atende ao vencimento imediato das demais parcelas, independentemente de haver ou não, disposição específica para tanto (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 15ª REGIÃO, 2020).

Dessa forma, assim como para o requisito da existência dos negócios jurídicos há a necessidade de integração do direito material com o direito processual, para a validade do avençado, o negócio jurídico processual não pode se distanciar das garantias mínimas do processo e nem dos princípios que regem a seara do Direito na qual está adstrita, aplicando-se de maneira harmoniosa, o Direito Civil nas relações trabalhistas.

5.1.1.1  DA INSERÇÃO ABUSIVA DE CONVENÇÕES PROCESSUAIS EM CONTRATOS DE ADESÃO 

 Para adentrar neste tema, se mostra indispensável a conceituação das características do contrato de adesão para avaliar a abusividade em eventual inserção de convenções processuais dentro do contrato de trabalho. Os contratos de adesão reúnem uma série de características que o diferenciam dos outros contratos, quais sejam:

Há a necessidade em primeiro lugar de uma superioridade econômica de um dos contratantes, podendo mesmo constituir um monopólio de fato ou de direito (como o fornecimento de gás, eletricidade); b) essa contratação deve estar em estado de oferta permanente e geral a um número ilimitado e indeterminado de pessoas; c) as cláusulas do contrato propostas devem ser unilateralmente fixadas e em bloco pelo oferente, de sorte que se ele deseja contratar, a outra parte deverá pura e simplesmente aderir (NIESS, 2011).

Com a fixação dos elementos acima, percebe-se que os contratos de adesão estão mais presentes no cotidiano das pessoas do que qualquer outro contrato, pois todos os contratos para fornecimento de energia elétrica, água encanada, transporte terrestre, aéreo, seguro, de consumo e principalmente os de trabalho se caracterizam, na sua esmagadora maioria, como de adesão.

A abusividade de inserção de convenção processual em contrato de adesão pode ser interpretada a partir da Lei 9.307/1996 que instituiu a arbitragem e previu no corpo do seu texto, especificamente no artigo 4º, parágrafo segundo que nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa ou concordar expressamente com a arbitragem, estabelecendo ainda visto específico para esta cláusula em documento anexo ou em negrito (BRASIL, 1996).

Este é um exemplo que afasta a abusividade da cláusula, pois obriga o inequívoco conhecimento da parte aderente na contratação do negócio jurídico processual.

As cláusulas abusivas são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual, que tem o condão de quebrar o equilíbrio entre os contratantes. Adiante, cumpre frisar que elas não se restringem aos contratos de adesão, mas cabem em todo e qualquer tipo de contrato, pois a supremacia de uma parte sobre a outra pode ser concluído mediante qualquer técnica contratual, embora estejam muito mais evidentes nos contratos de consumo (GRINOVER et al., 2011).

De acordo com os ensinamentos já expostos, mais uma vez a regra processual necessita de auxílio do Código Civil para a sua aplicação e interpretação, pois o artigo 113 do Código Civil e todos os seus incisos parecem perfeitos para analisar as circunstâncias do caso e a inserção abusiva de convenções processuais (BRASIL, 2002).

Assim, havendo a inserção de convenção processual em contrato de trabalho, para se afastar a abusividade, parece ser necessária uma conjugação de outras fontes do direito para que o magistrado possa tomar a sua decisão, como por exemplo a Lei de Arbitragem (BRASIL, 1996) e o Código Civil (BRASIL, 2002) para a avaliação do negócio jurídico e sua inserção contratual, avaliando ainda a vulnerabilidade e os eventuais benefícios e prejuízos ao trabalhador.

6. DA EFICÁCIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

Neste último plano, a eficácia do negócio jurídico está vinculada aos efeitos jurídicos e práticos nos quais serão produzidos, inclusive perante terceiros, como por exemplo multas, juros, possibilidade de rescisão contratual, perdas e danos, prazos especiais, alteração de procedimento entre outros efeitos (TARTUCE, 2019).

Os negócios jurídicos processuais podem ser celebrados antes ou durante o processo judicial, condicionando a sua eficácia para logo após à sua formalização quando realizados nos autos do próprio processo ou para momento futuro, quando contratados extrajudicialmente.

Quanto ao tema, o professor Luiz Antonio Ferrari Neto (2016) possui estudo específico que contribui para a elucidação da eficácia dos negócios jurídicos processuais da seguinte maneira:

Vê-se, com isto, que os negócios jurídicos processuais celebrados antes da demanda, como regra, ficarão condicionados a eventual futuro e incerto litígio. A partir do momento em que este surja, as cláusulas passarão a surtir os efeitos que delas se esperam – regular, faculdades, ônus, poderes, deveres, além de procedimentos em matéria processual, como ocorre na cláusula de eleição de foro.

Nada impede que as partes prevejam outras condições de eficácia para o negócio jurídico processual.

Outras disposições, todavia, poderão ainda depender de outro elemento, que será a homologação do juiz para que surtam os efeitos que delas se esperam. Em nosso sentir, é o que ocorrerá com os negócios jurídicos processuais que tratem de alterações no procedimento em matéria processual (FERRARI NETO, 2016).

Considerando a lição acima, dependendo dos efeitos nos quais as partes querem que sejam produzidos e do momento da sua contratação, há a possibilidade de a inexistência de lide, o negócio jurídico processual entabulado ser ineficaz.

Situação diversa se refere aos negócios jurídicos processuais entabulados durante o processo, sendo que sua eficácia será imediata nos termos do artigo 200 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015), excetuando-se as situações em que demandem a homologação judicial.

Conforme já exposto neste trabalho, algumas situações em que a autocomposição exija uma tutela Estatal, como por exemplo na homologação dos acordos submetidos à Justiça do Trabalho, a eficácia do negócio jurídico só produzirá os seus efeitos após a chancela do magistrado.

Embora não exista a previsão legal de necessária homologação para a eficácia dos negócios jurídicos processuais, um exemplo é a situação da calendarização, exposta no artigo 191 do Código de Processo Civil que exige a participação do magistrado para que sua eficácia seja plena e o processo para homologação de acordo extrajudicial (BRASIL, 2015), estabelecido no artigo 855-B e seguintes da CLT (BRASIL, 1943).

7. CONCLUSÃO

A promoção das soluções extrajudiciais de conflitos e a concessão de maior autonomia as partes para que procedam com a autorregulação de seus embates já faz parte do nosso presente.

Um exemplo disso são os negócios jurídicos processuais, que embora possuam vários conceitos de acordo com cada doutrinador, as possibilidades de sua contratação e os seus efeitos são infinitos, vez que não há a possibilidade de se prever quais serão os tipos de negócios jurídicos processuais firmados, em quais ramos do Direito, se anterior ou durante o processo, por partes equivalentes ou desiguais, se inseridos ou não em contratos de adesão, quais deveres e poderes processuais foram negociados, quais ônus e quais provas foram avençadas, etc.

Desse modo, não há dúvidas de que os negócios jurídicos processuais previstos nos artigos 190 e 191 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) são aplicáveis às relações de emprego, porém, há que se fazer uma análise cuidadosa sobre o que se está convencionando, e se o trabalhador está em posição de vulnerabilidade ou não.

E dentro dessa seara trabalhista, não se afigura razoável considerar a vulnerabilidade como critério absoluto e nem mesmo tornar o contrato de trabalho incompatível com qualquer negociação, haja vista a autorização em lei para a contratação de cláusula compromissória de arbitragem em face de determinados empregados, fatores que trazem exceções ao princípio protetivo.

Sendo assim, o instituto jurídico em si não possui incompatibilidade com o processo do trabalho e com a CLT (BRASIL, 1943), já que os próprios acordos realizados perante a Justiça Trabalhista são negócios jurídicos processuais. Mas a pedra angular da discussão recairá sobre cada caso concreto, pois a depender do que se convenciona e como se convencionou, poderá haver um desequilíbrio acentuado que coloque o empregado em situação de vulnerabilidade ou que se caracterize como abusivo.

Os princípios trabalhistas não vão perder força quando da celebração dos negócios jurídicos processuais, mas devem ceder espaço à vontade do trabalhador quando este esteja em uma posição de segurança, analisando a avença em conjunto com o próprio Código Civil.

O princípio da boa-fé objetiva e da razoabilidade devem ser aplicados e interpretados de acordo com cada avença, não havendo parâmetros fixos ou rígidos que possam ser selecionados a todo e qualquer caso.

Outro ponto de conclusão é que a conjugação do direito material com o direito processual para a análise da existência, validade e eficácia é medida de rigor a ser realizada por cada operador do direito, entendendo como direito material tanto o especializado, como no caso da CLT (BRASIL, 1943), quanto às normas de aplicação geral e subsidiária, no caso o Código Civil (BRASIL, 2002).

Mesmo que as partes possuam maior autonomia e o magistrado esteja adstrito à análise dos elementos estabelecidos na lei, não quer dizer que não existam limites para a celebração do negócio jurídico processual. A garantia do devido processo legal, contraditório e a inexistência de obstáculos postos para prejudicar o exercício desses direitos são garantias mínimas de qualquer negócio.

Mas como dito anteriormente, para avaliar essas circunstâncias, a simples análise da seara processual não se afigura como satisfatória, pois com a verificação do conteúdo da lide e do direito material em disputa, haverá outros elementos que podem aclarar eventuais abusos de uma das partes ou a obtenção de vantagens processuais desproporcionais, prestigiando o princípio da boa-fé objetiva.

O conhecimento do direito material para a verificação de eventual vulnerabilidade, nulidade ou abusividade na celebração do negócio jurídico processual não se afigura abusiva, pois existem demandas que irão exigir a manifestação ou a homologação do magistrado para que a convenção processual possua plena eficácia.

Na análise do processo, além das garantias processuais mínimas que devem ser conferidas as partes convenentes, não há motivos para deixar de aplicar a teoria da instrumentalidade das formas e da inexistência de nulidade sem prejuízo, desde que o comportamento das partes esteja guiado pela razoabilidade.

Por fim, os negócios jurídicos processuais nas relações de emprego devem ter a sua existência, validade e eficácia examinados de maneira conjunta e harmônica pelo direito processual e material, utilizando-se do diálogo das fontes para conectar a CLT com outros diplomas jurídicos, de modo que os direitos dos trabalhadores inseridos na contratação possam prosperar.

REFERÊNCIAS

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[1] Mestrando em soluções alternativas de controvérsias empresariais pela Escola Paulista de Direito. Pós-graduado em Direito Processual Civil e Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito de Itu. ORCID: 0000-0001-5978-8806.

[2] Orientador. ORCID: 0000-0002-290-7087.

Enviado: Agosto, 2022.

Aprovado: Setembro, 2022.

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João Cesar de Oliveira Rocha Filho

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