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Análise a respeito da (in)constitucionalidade do parágrafo único do artigo 415 do Código de Processo Penal

RC: 152888
248
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/codigo-de-processo-penal

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

CORRÊA, Esther [1]

CORRÊA, Esther. Análise a respeito da (in)constitucionalidade do parágrafo único do artigo 415 do Código de Processo Penal. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 09, Ed. 05, Vol. 01, pp. 110-123. Maio de 2024. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/codigo-de-processo-penal, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/codigo-de-processo-penal

RESUMO

Busca-se, com este trabalho, por meio de pesquisa bibliográfica, verificar se o conteúdo do parágrafo único do artigo 415 do Código de Processo Penal brasileiro (CPP) está em consonância com o ordenamento jurídico pátrio, tomando-se como parâmetro a Constituição Federal de 1988. Um dos possíveis desfechos da primeira fase do procedimento bifásico do Tribunal do Júri é a absolvição sumária do acusado, ensejada por uma das razões elencadas no artigo 415 do CPP. Quando o réu é inimputável e sua única tese defensiva é a inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto, nos termos do art. 26 do Código Penal, absolve-se, desde logo, o acusado, sendo-lhe, no entanto, imposta medida de segurança, conforme dispõe o art. 415, parágrafo único, do CPP (trata-se, portanto, de absolvição sumária imprópria, já que resulta na constrição da liberdade do acusado, o que não ocorre na absolvição sumária – plena – do réu imputável, que, uma vez absolvido, desvincula-se plenamente do processo penal). Ao inimputável, portanto, para ser submetido ao julgamento pelo Tribunal do Júri, constitucionalmente previsto, é exigido que apresente tese defensiva diversa da inimputabilidade. O objetivo deste trabalho é realizar uma análise a respeito da constitucionalidade de tal exigência, tendo em vista os princípios constitucionais referentes à matéria, em especial o que diz respeito à plenitude de defesa, cuja efetivação não é viabilizada ante o juízo singular. Com este fim, serão realizadas breves análises dos referidos princípios, bem como de aspectos elementares acerca do procedimento do Tribunal do Júri, para que melhor se compreendam as premissas básicas que circundam a discussão. O método utilizado foi o dedutivo, tendo-se concluído pela desconformidade da norma analisada com a Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Tribunal do Júri, Plenitude de defesa, Inimputável, Absolvição sumária imprópria, Inconstitucionalidade.

1. INTRODUÇÃO

Busca-se, com este trabalho, analisar as bases dogmáticas e normativas a respeito da instituição do Tribunal do Júri, de alguns dos princípios constitucionais que regem a persecução penal – sobretudo, daqueles previstos especificamente para o procedimento do Tribunal do Júri, e, em especial, da plenitude de defesa –  e das consequências penais da inimputabilidade prevista no artigo 26 do Código Penal (Brasil, 1940) para que, superados os conceitos básicos a respeito das temáticas abordadas, possa-se avaliar a constitucionalidade – isto é, a conformidade com o que dispõe a Constituição a respeito dos temas – da absolvição sumária imprópria do inimputável por doença mental ou desenvolvimento mental retardado ou incompleto, prevista no parágrafo único do artigo 415 do Código de Processo Penal.

2. BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI

O procedimento do Tribunal do Júri é dotado de especificidade ímpar no âmbito do processo penal brasileiro, o que se evidencia pela previsão de princípios constitucionais próprios, não obstante a consagração de diversos princípios constitucionais gerais atinentes à persecução penal ao longo do artigo 5º de nossa Carta Magna.

O Tribunal do Júri possui previsão constitucional no artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal. Trata-se, explica Lima (2021, p. 1209), de um “órgão especial do Poder Judiciário de primeira instância, pertencente à Justiça Comum ou Federal, colegiado e heterogêneo”. Compõe-se por vinte e cinco jurados, dentre os quais sete compõem o Conselho de Sentença.

O Conselho de Sentença consiste nos sete jurados que efetivamente participarão das deliberações que levarão à decisão final do processo e possui competência temporária para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida – encerradas as sessões periódicas para as quais é constituído, dissolve-se.

O procedimento do Tribunal do Júri é um procedimento bifásico, preleciona Lima (2021, p. 1216) composto por uma primeira fase, denominada iudicium accusationis (conhecida, também, como sumário da culpa), e pela iudicium causae (juízo da causa), na qual efetivamente atuam os jurados integrantes do Conselho de Sentença.

Na dicção de Lima (2021, p. 1216), a razão de ser dessa estruturação reside na necessidade de uma verificação dos fatos imputados pela acusação por um juiz togado. Dessa forma, ao fim da primeira fase do Tribunal do Júri, para que o acusado seja submetido a julgamento pelo Conselho de Sentença, o juiz sumariante deve proferir uma decisão nesse sentido. No entanto, a submissão de um acusado ao iudicium accusationis não implica necessariamente o advento do iudicium causae.

Ao fim do sumário da culpa, quatro possibilidades emergem, preleciona Badaró (2017, p. 668): (a) a pronúncia, prevista no artigo 413 do CPP, que efetivamente levará ao julgamento do acusado pelo Tribunal do Júri, ensina Aury Lopes Junior (2019, p. 796); (b) a impronúncia (art. 414, CPP), quando o juiz sumariante não se convencer da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou participação, assevera Lima (2021, p. 1220); (c) a desclassificação (art. 419, CPP), quando o magistrado entender que não há crime doloso contra a vida, sendo incompetente para o julgamento do delito em questão, leciona Lima (2021, p. 1222); e (d) a absolvição sumária (art. 415 do CPP), hipótese em que o acusado será, em regra, absolvido e desvencilhado plenamente da persecução penal, explica Badaró (2017, p. 680).

Revela-se imprescindível à abordagem do tema a compreensão de princípios constitucionais do processo penal, em especial o contraditório e a ampla defesa, intrinsecamente relacionados. A conceituação doutrinária de um destes, via de regra, remete à do outro – ambos previstos no artigo 5º, inciso LV da CRFB/88.

Tradicionalmente, conceitua-se o princípio do contraditório por meio de seus dois pressupostos: informação e reação, explica Badaró (2017, p. 53). A informação, consubstanciada na ciência bilateral dos atos processuais e a reação aos atos desfavoráveis, traduzida pela possibilidade de contrariá-los, representam o núcleo do conteúdo do princípio do contraditório.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que o princípio do contraditório é a garantia, constitucional, de que, no processo, ambas as partes sejam ouvidas, a fim de que se chegue a uma conclusão dialética, e consequentemente, mais justa. Aury Lopes Junior (2019, p.100), com a maestria que lhe é peculiar, salienta que “o juiz deve dar ‘ouvida’ a ambas as partes, sob pena de parcialidade, na medida em que conheceu apenas metade do que deveria ter conhecido”.

Grinover, Fernandes e Gomes Filho (1992, p. 63) assinalam a íntima relação entre contraditório e ampla defesa, que brota do contraditório e, ao mesmo tempo, o assegura. Badaró (2017, p. 60), em mesmo sentido, afirma que “a única diferença é entre o direito de iniciava existente apenas no direito de ação”, já que o contraditório, no processo penal, viabiliza a manifestação da parte acusatória, enquanto o direito de defesa não compreende a possibilidade de ação, mas sim informação/reação a respeito atos referentes a eventual ação já deflagrada pela acusação. No entanto, o jurista conclui: “iniciado o processo, ação e defesa são absolutamente simétricos” (Badaró, 2017, p. 60).

O direito de defesa compreende a defesa técnica e a autodefesa, que se divide em direito de presença, direito de audiência e direito de postular presencialmente, leciona Badaró (2017, p. 60). Sem tais corolários, não seria possível o efetivo exercício da ampla defesa prevista constitucionalmente.

O princípio do juiz natural é também um dos princípios essenciais do processo penal e seu conteúdo pode ser inferido dos incisos XXXVII e LIII do artigo 5º da CRFB/88. Badaró (2017, p.49) explica que o princípio do juiz natural possui dois aspectos: um negativo, traduzido pela impossibilidade de instituição de tribunais de exceção, e um positivo, consubstanciado na garantia do julgamento por juiz competente. O jurista ressalta, ainda, que o referido princípio tem como escopo assegurar a imparcialidade do julgador, e, ainda, um aspecto temporal (Badaró, 2017, p. 54), que permite que se saiba de antemão o juiz que julgará o fato.

O inciso XXXVIII do artigo 5º da CRFB/88 traz, em suas alíneas, quatro princípios basilares para o funcionamento do Tribunal do Júri. A alínea d traz a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Não se admite, no ordenamento jurídico pátrio, a restrição ou supressão da competência do Tribunal do Júri, em razão de constituir cláusula pétrea, por força da previsão insculpida no artigo 60, §4º, inciso IV da CRFB/88.

O mesmo inciso XXXVIII do art. 5º da CRFB traz, em sua alínea b, o sigilo das votações. Isso representa a impossibilidade, conforme preleciona Brasileiro, de que se saiba o sentido do voto do jurado. Para isso, o Código de Processo Penal (art. 486) prevê que a votação seja realizada em uma sala especial, por meio de cédulas de papel opaco dobráveis contendo a palavra sim ou a palavra não. Para assegurar o sigilo do voto, são recolhidas em urnas separadas as cédulas correspondentes aos votos e as cédulas não utilizadas (art. 487, CPP).

A fim de preservar o sigilo dos votos, o §1º do art. 466 do CPP estabelece, ainda, a incomunicabilidade dos jurados, entre si e com terceiros, a fim de que, efetivamente, a ninguém seja dado saber o sentido de seus votos. As decisões serão tomadas por maioria de votos (art. 489 do CPP). Dessa forma, ocorre o automático encerramento da votação quando se chega a quatro votos em um ou outro sentido (pela absolvição ou pela condenação do acusado). Dessa forma, havendo sete jurados, quatro votos representa o mínimo necessário para que se alcance a referida maioria, o que impede, por exemplo, uma decisão por unanimidade, com sete votos, em que não estaria assegurado o sigilo, como alerta Renato Brasileiro de Lima (2021, p. 1274).

A primeira alínea do art. 5º, XXXVIII da CRFB/88 prevê, por sua vez, a plenitude de defesa. A ampla defesa, como se viu, é um dos princípios processuais penais constitucionais, aplicável a todo e qualquer acusado no processo penal. A plenitude de defesa, a seu turno, exorbita o exercício da ampla defesa, compreendendo dois diferentes aspectos – a plenitude de defesa técnica e a plenitude de autodefesa.

Faz-se imprescindível observação a respeito do aspecto da plenitude de defesa técnica, por meio da qual, nas palavras de Lima (2021, p. 1210),

o advogado de defesa não precisa se restringir a uma atuação exclusivamente técnica, ou seja, é perfeitamente possível que o defensor também utilize argumentação extrajurídica, valendo-se de razões de ordem social, emocional, de política criminal, etc. Incumbe ao juiz-presidente fiscalizar a plenitude de defesa técnica, já que, por força do art. 497, V, do CPP, é possível que o acusado seja considerado indefeso, com a consequente dissolução do Conselho de Sentença e a designação de nova data para o julgamento.

Por fim, a alínea c do art. 5º, XXXVIII da CRFB/88 traz a soberania dos veredictos. Uma vez realizadas as votações referentes a todos os quesitos, a decisão, representante da vontade popular, é soberana. Isso não se confunde com a imutabilidade das decisões. O que não se admite, em virtude da previsão constitucional, como esclarece Badaró (2017, p. 1213) é que a questão seja rediscutida e reformada por juízes togados. Para que haja modificação na decisão emanada do Conselho de Sentença é necessário que, novamente, o mérito da causa, nos casos de irregularidade, seja submetido ao tribunal popular, constitucionalmente competente para o julgamento do mérito dos processos em que são imputados ao acusado crimes dolosos contra a vida.

3. A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA NO PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI

Como se viu, a absolvição sumária é uma das possíveis decisões a ser proferida pelo juiz sumariante ao final da primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri. É possível, ainda, que o réu seja pronunciado, impronunciado, ou mesmo que a infração seja desclassificada, e o acusado, julgado pelo órgão jurisdicional competente.

De todas as hipóteses possíveis, a pronúncia é a única em que o réu efetivamente será levado a julgamento efetuado pelo Conselho de Sentença, sob a égide dos princípios constitucionais atinentes ao Tribunal do Júri. A impronúncia impede que ocorra o referido julgamento, como se viu, sem obstar a possibilidade de, futuramente, ser interposta nova peça acusatória, na hipótese de surgimento de novas provas. A desclassificação, a seu turno, também impede que o julgamento ocorra, embora haja a remessa dos autos para o juiz competente. Fato é que o acusado não mais prosseguirá no rito do Tribunal do Júri.

A absolvição sumária, em regra, é o melhor dos cenários: em regra, embora a competência para o julgamento do delito seja do Tribunal do Júri, o réu é absolvido antes mesmo de ser submetido a julgamento pelo Conselho de Sentença, fazendo-se coisa julgada material – decisão que, em regra, lhe é absolutamente favorável, uma vez verificada alguma das causas previstas no artigo 415 (que serão exploradas no item a seguir). Lima (2021, p. 1230) esclarece que a absolvição sumária encerra a iudicium accusationis, o processo e aniquila a possibilidade de o acusado ser processado novamente pelo mesmo fato.

3.1. HIPÓTESES DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA TRAZIDAS PELO ARTIGO 415

Dispõe o artigo 415 do Código de Processo Penal, caput e incisos I, II, III e IV:

Art. 415.  O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I – provada a inexistência do fato;

II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III – o fato não constituir infração penal;

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime (Brasil, 1941).

Observe-se que o inciso IV refere-se, em sua parte final, às causas de exclusão do crime. No dispositivo, portanto, encontram-se as causas de exclusão da ilicitude – legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito – e as causas de exclusão da culpabilidade – como a coação moral irresistível e a obediência hierárquica, ou mesmo a inexigibilidade de conduta diversa (causa supralegal de exclusão da culpabilidade) –, com a exceção, ressalte-se, estatuída pelo parágrafo único do artigo 415, que será abordada a seguir.

Lima (2021, p. 1229) esclarece que se exige do juiz sumariante um juízo de certeza a respeito das causas elencadas nos incisos I a IV, visto que “a absolvição sumária, por subtrair dos jurados a competência para apreciação do crime doloso contra a vida, deve ser reservada apenas para as situações em que não houver qualquer dúvida por parte do magistrado”. A absolvição sumária trazida pelos incisos I a IV do artigo 415 do CPP, assim, diferencia-se das demais possibilidades de decisões ao fim da iudicium accusationis, de modo a formar, inclusive, coisa julgada material – o que torna a decisão a melhor das possibilidades para o acusado.

3.2 A INCONSTITUCIONALIDADE DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA IMPRÓPRIA ART. 415, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPP

A decisão de absolvição sumária ao final da iudicium accusationis, no entanto, pode tomar contornos diferentes dos que foram traçados para as hipóteses abordadas até então. No mesmo artigo 415, o próprio legislador infraconstitucional estabelece, em seu parágrafo único, uma distinção para as hipóteses de absolvição sumária em virtude da demonstração de causa de exclusão do crime. Prevê o referido dispositivo: “Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do […] Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva”.

A inimputabilidade, causa de exclusão da culpabilidade, não dá ensejo à absolvição sumária nos moldes do que ocorre quando se dá pelas demais causas elencadas nos incisos I a IV. Conceitua-se a inimputabilidade tradicionalmente como a capacidade de culpabilidade, um dos três elementos do conceito estratificado de crime: fato típico, ilicitude e culpabilidade. Sem qualquer destes três elementos, não há crime, leciona Rogério Greco (2020, p. 523).

Quando não há culpabilidade, não se pode proferir uma sentença condenatória e aplicar uma pena. Não porque não há um injusto penal. A inimputabilidade mencionada no dispositivo afasta o crime porque o agente, ao tempo da ação, era incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Dessa forma, o ordenamento jurídico veda a aplicação de pena; sem, contudo, deixar de prever uma resposta penal ao fato típico e ilícito, em razão da presunção de periculosidade do agente, impondo-lhe, até que essa condição seja cessada, medida de segurança – explica Greco (2020, p. 843).

A sentença, que não pode condenar um agente que, tecnicamente, não comete crime (já que não estão presentes todos os elementos necessários para a configuração deste), será absolutória. Entretanto, em razão da resposta penal a ele destinada, ter-se-á uma absolvição imprópria, visto que, em verdade, não obstante declarar absolvido o acusado, imporá restrição à sua liberdade, leciona Greco (2020, p. 844).

No que se refere à situação do inimputável no rito do Tribunal do Júri, Badaró (2017, p. 682) esclarece o seguinte: “se a única tese defensiva for a inimputabilidade decorrente de doença mental ou desenvolvimento mental retardado […] e tal fato estiver comprovado, o acusado deverá ser absolvido sumariamente, sendo-lhe imposta a medida de segurança”.

A sistemática adotada no procedimento do Tribunal do Júri para o inimputável se traduz em uma grande discrepância, por uma simples razão: em todo e qualquer outro procedimento não existe a plenitude de defesa. O natural, fora do contexto do Tribunal do Júri, é que a um inimputável que comete um injusto penal seja estabelecida uma medida de segurança. Naturalmente, portanto, ele seria absolvido impropriamente em qualquer dos cenários na hipótese de inexistência de alguma outra tese defensiva. Tal fato é fruto da previsibilidade das decisões judiciais, que devem, em regra, ser motivadas, e seguir uma série de parâmetros legais.

No Tribunal do Júri, as decisões são imprevisíveis. Não há um compromisso com a técnica, e, constitucionalmente, é assegurada a plenitude de defesa, com todos os seus artifícios. Negar ao inimputável a submissão ao julgamento pelo Tribunal do Júri, cuja competência é assegurada constitucionalmente, em razão da inexistência de tese defensiva, de modo a antecipar uma decisão que poderia ou não vir a ser tomada significa violar, arbitrariamente, a plenitude de defesa.

O procedimento do júri traz uma mudança de cenário nessa previsibilidade: o próprio imputável pode cometer fato típico, ilícito e culpável e ainda assim não haver certeza de que será condenado. Nesse cenário, a inexistência de tese defensiva diversa da inimputabilidade acaba por ensejar um vácuo, uma disparidade de tratamento. A condição de inimputabilidade, em verdade, torna-se pressuposto para a não apreciação do caso penal por seu juiz natural, a saber, o Tribunal do Júri.

Isso porque, havendo mais teses defensivas, a absolvição sumária imprópria não teria razão de ser visto que o que se quer levar ao plenário do Tribunal do Júri são as demais teses, não a inimputabilidade, a fim de que se logre a absolvição plena. A pronúncia, nesses casos, se dá justamente pelas teses estranhas à inimputabilidade. Havendo mais teses a serem analisadas, passa-se à segunda fase do procedimento do Tribunal do Júri; não havendo, ou seja, sendo a inimputabilidade a única causa a ser discutida, decide-se na primeira fase. Vê-se, portanto, que, isoladamente, a inimputabilidade obsta a submissão do caso ao Conselho de Sentença.

Tal sistemática que traça duas distinções importantes: (1) entre o inimputável e o imputável, no que se refere à existência/estruturação de tese defensiva; (2) entre o inimputável sem tese defensiva e o inimputável com tese defensiva diversa da inimputabilidade – destacada por Aury Lopes Junior (2019, p. 810).

Sem o menor empenho por parte da defesa, o imputável cuja infração não seja desclassificada, que não seja impronunciado ou absolvido sumariamente vai a julgamento pelo Conselho de Sentença, juiz natural, estabelecido constitucionalmente. É o correto, observa Aury Lopes Junior (2019, p. 810). A garantia constitucional se concretiza, efetivando-se igualmente os princípios constitucionais a ela atinentes, independentemente de quaisquer fatores estranhos ao texto constitucional.

A advertência se faz necessária quanto à situação do inimputável, que, uma vez ausentes teses defensivas diversas da inimputabilidade, está fadado à imposição de sanção estatal sumariamente – não se trata de absolvição própria; a plenitude de defesa é manifestamente violada. Ademais, as decisões do Conselho de Sentença prescindem da fundamentação; não precisam ser motivadas, como as demais decisões judiciais. Isso significa que a existência de tese defensiva diferente da inimputabilidade é completamente dispensável para a apreciação pelos jurados até mesmo para que seja proferida sentença absolutória própria.

O Conselho de Sentença pode, por exemplo, absolver o réu por clemência, sem qualquer motivação. Para tanto, basta que o agente seja imputável. Com ou sem tese defensiva. O inimputável, por sua vez, para ver efetivada a plenitude de defesa assegurada no julgamento pelo Conselho de Sentença, possui um requisito “extra”, uma condição não imposta aos imputáveis.

No Tribunal do Júri, prima-se pela plenitude de defesa e deixa-se de lado, em certa medida, a tecnicidade das decisões, o que abre brecha para absolvições imprevisíveis, notadamente em decorrência do terceiro quesito, obrigatório, do procedimento.

Não há como equiparar a situação do inimputável sem tese defensiva no procedimento comum com a situação do mesmo no procedimento do Tribunal do Júri, na mesma medida em que não é possível comparar a situação do imputável, qualquer que seja(m) sua(s) tese(s) defensiva(s), no âmbito do procedimento do júri e fora dele. São asseguradas garantias especiais; não à toa, a Constituição estabelece dispositivo específico para positivar tais postulados.

Observação interessante refere-se à estruturação dos quesitos a serem votados pelos jurados. A decisão do Conselho de Sentença se dá por meio de quesitos, perguntas direcionadas aos jurados que permitirão, ao final do julgamento, a confecção de uma sentença condenatória ou absolutória, a depender do que foi decidido pelos jurados.

Os quesitos são predeterminados, previstos na legislação, e seguem uma ordem também estipulada legalmente. O artigo 482 do Código de Processo Penal estabelece algumas diretrizes para a elaboração dos quesitos. No artigo 483 estão previstos os quesitos, em si, e a ordem de sua formulação. Destaca-se, na doutrina, a obrigatoriedade do quesito a respeito da absolvição do acusado.

Ressalta-se que, ainda que os jurados respondam afirmativamente aos dois primeiros quesitos (quanto à materialidade do fato e à autoria ou participação do acusado), reconhecendo, efetivamente, a existência do fato e a autoria ou participação do agente, é obrigatória a formulação do terceiro quesito, a qual, não ocorrendo, enseja nulidade absoluta do julgamento, como alerta Badaró (2017, p. 1276). Além disso, a resposta ao quesito é desatrelada de qualquer justificativa. O jurado apenas votará “sim” ou “não”, em resposta à pergunta preestabelecida pelo legislador (“O acusado deve ser absolvido”?).

Portanto, ainda que constatada a materialidade do fato e a autoria, os jurados podem perfeitamente responder afirmativamente ao terceiro quesito, absolvendo o acusado, com base no sistema da íntima convicção, sem qualquer fundamentação, como leciona Badaró (2017, p. 725). Nesse contexto, afigura-se perfeitamente possível, por exemplo, a absolvição por clemência, inexistente qualquer tese defensiva de um acusado imputável.

O inimputável sem tese defensiva, portanto, como se pode inferir das considerações tecidas, encontra-se em situação de injustificada disparidade, em seu prejuízo, quando comparada ao contexto dos demais acusados, imputáveis, no procedimento do Tribunal do Júri, e até mesmo com os inimputáveis que possuem tese diversa de sua inimputabilidade.

O inimputável passa por uma análise técnica a respeito da existência de tese absolutória que possa levá-lo a uma absolvição plena e “livre”, que atua como filtro ao julgamento pelo Tribunal do Júri, o que não ocorre com o acusado imputável.

O artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, traz como um dos objetivos da República a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O simples óbice à pronúncia do inimputável sem tese defensiva representa, por si só, uma forma de discriminação, pois se traduz na total impossibilidade de um inimputável sem tese diversa da inimputabilidade ser absolvido de forma plena em razão única e exclusiva do quesito obrigatório a respeito da absolvição, desvinculado de qualquer fundamentação.

Tal fato é absolutamente desprovido de razoabilidade, uma vez que não é possível entender como consentânea com a Constituição norma que encerre terminantemente a possibilidade de que este se utilize de todo e qualquer meio disponível – e, saliente-se: o sistema da íntima convicção traz ao acusado chances que este jamais teria no juízo singular. Não há justificativa plausível para subtrair do inimputável tal possibilidade.

4. METODOLOGIA

Realizou-se, para a elaboração deste trabalho, pesquisa bibliográfica. Utilizou-se o método dedutivo, partindo-se dos pressupostos constitucionais, tendo-se abordado os aspectos essenciais sobre o procedimento do tribunal do júri, e, por fim, realizou-se a análise a respeito da constitucionalidade do artigo 415, parágrafo único do CPP à Constituição Federal. Concluiu-se que o dispositivo não está em consonância com a norma maior.

5. CONCLUSÃO

A absolvição sumária, prevista no rito do Tribunal do Júri como possível decisão ao final da iudicium accusationis, visa, em tese, beneficiar o acusado, eximindo-o do julgamento pelo Conselho de Sentença, por meio de sua absolvição. No caso réu inimputável, no entanto, a decisão que não o remete à segunda fase do procedimento o sentencia, efetivamente, à constrição de sua liberdade – cenário drasticamente distinto do que ocorre no caso de réus imputáveis.

Tal diferenciação não se justifica. O parágrafo único do artigo 415 do CPP viola a própria Constituição Federal, instituidora dos princípios do juiz natural e daqueles previstos especialmente ao tribunal do júri. Não é razoável exigir do acusado inimputável, única e exclusivamente em razão de sua inimputabilidade, a apresentação de tese defensiva para que possa ser submetido ao julgamento constitucionalmente assegurado a todo acusado pelo cometimento de crime doloso contra a vida, no âmbito do qual efetiva-se, sobretudo, o direito à plenitude de defesa.

Conclui-se, portanto, por meio de uma análise sistemática, sob a égide de uma constituição garantista, plural, democrática e dotada de imperatividade, que não há razões para que se encontre no ordenamento norma legal que imponha gravame irrazoável a um acusado em razão unicamente de sua inimputabilidade, visto que a inviabilização da plenitude de defesa por meio da absolvição imprópria pode, em última análise, inviabilizar até mesmo eventual posterior absolvição plena.

BIBLIOGRAFIA

BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez.

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GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 2. Ed. São Paulo, Malheiros, 1992.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 22. ed. Niterói: Impetus, 2020.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 9. ed. Salvador: Juspodivm, 2021.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

[1] Pós-graduação lato sensu em Direito e Processo Penal pela Centro Universitário União das Américas (UNIAMÉRICA); Graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – (UFRJ). ORCID: 0009-0007-1663-9115. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0398280159724121.

Material recebido: 30 de abril de 2024.

Material aprovado pelos pares: 14 de maio de 2024.

Material editado aprovado pelos autores: 15 de maio de 2024.

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Esther Corrêa

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