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Música como elemento e recurso estruturante da cena

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

ALMEIDA, Adriana Ribeiro de [1]

ALMEIDA, Adriana Ribeiro de. Música como elemento e recurso estruturante da cena. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 05, Vol. 09, pp. 117-129. Maio de 2019. ISSN: 2448-0959

RESUMO

O presente artigo trata do uso da música, do som, dos efeitos sonoros na construção cênica, destacando a importância da composição sonora para criar climas, sensações e envolver o espectador na narrativa, mesmo quando não contém uma linguagem verbalizada em sua totalidade.

O artigo ainda discutirá o papel da música na criação de imagens a partir dos sons, a relação dos atores com os sons, tanto vocalizados, quanto os efeitos sonoros.

Para tal descrever-se-á o processo de montagem do espetáculo teatral ‘Prosódia Bastiana ou traçados silenciosos de uma fé chorosa, de autoria e direção de Matheus Menezes, que ilustra a preocupação com os elementos musicais na narração de sua obra.

Palavras Chave: música, sons, efeitos sonoros.

INTRODUÇÃO

A presença da música nos trabalhos artísticos em suas diversas formas e significados são incontestáveis. A musica assim como as artes interpretativas, vem acompanhando a história e desenvolvimento da humanidade em muitas de suas culturas e se fazendo presente dia após dia. Não somente como uma forma de expressão artística, mas como filosofia de vida.

No Brasil a linguagem musical faz-se presente em suas diversas classes social e também nas diferentes manifestações religiosas que se espalham por todo território nacional. Embora sua linguagem seja diversificada, dependendo de onde venha essa expressão cultural, a música acompanha o desenvolvimento e as relações interpessoais em suas comunidades, bairros e cidades. Dessa maneira a musica é forte componente na comunicação humana, permitindo que se fale, expresse sentimentos, reflexões, memórias (…).

Existem muitas possibilidades de buscar as contribuições da música como ferramenta contribuinte na educação, nas artes, nas ciências humanas. A relação com a música, às vezes, já se inicia no ventre materno e segue no decorrer da vida. Este fato ocorre em diferentes maneiras desde a canção de ninar no ventre da mãe, como os cânticos religiosos marcantes nas diferentes crenças, assim e também, como os sons da natureza que anunciam o dia que surge, ou que se põe, ou a maneira como a pessoa se sente em certos momentos, exemplo: uma canção feliz pontuando os sentimentos mais alegres, uma canção saudosa expressando sentimentos de saudade; porém isto varia de individuo para individuo, mostrando a pluralidade de interpretações oferecida pela musica, pelos sons, pela musicalidade do ser.

Esses pequenos, porém significativos exemplos dão um breve panorama da importância da música no desenvolvimento da vida, este fato não seria diferente no desenvolvimento das artes cênicas, onde a musica tem estado presente de maneiras a potencializar a construção da cena, do espaço, da comunicação.

Neste caso, entender mais sobre a importância da música e seus benefícios na cena teatral, tornou-se campo de pesquisa do ator/diretor Matheus Menezes, para o desenvolvimento de sua obra “Prosódia Bastiana ou traçados silenciosos de uma fé chorosa”. Cuja proposta permeia a relação entre a memória e dramaturgia, levando o espectador a experimentar sons de uma narrativa, onde a linguagem verbal apenas pontua a finalização do espetáculo.

O desafio para Matheus Menezes fora o de construir a cena, sem o texto dito verbalizado. Os dois atores em cena, criam o dialogo sem a palavra verbalizada e sim a partir da comunicação corporal e musical, permitindo que, os atores criassem uma comunicação singela com sons do cotidiano de suas rotinas e permitissem ao espectador uma atmosfera verbal silenciosa, porém rica de significados sonoros, o dialogo dito sem som da palavra.

Para Menezes, a maneira como os diversos sons podem ser produzidos, incluindo músicas – trilha – e sons não convencionais, interferem diretamente na recepção de uma obra, é algo que aguçava a curiosidade para esta relação entre a musica e a cena, assim como o corpo e a cena, o espaço e a cena, tudo se relaciona de infinitas maneiras (MENEZES, Matheus – Guaranésia; 2018). O que permitiu ao ator/diretor e autor a diversidade sonora em sua obra. Quando se inicia os estudos em dramaturgia sonora, percebe-se a que para os estudos da ‘musica em cena’ encontra-se, na maioria dos casos, um crescente estudo sobre as diversas maneiras, os meios de se construir uma obra teatral, utilizando a musica como um dos recursos estruturante.

Na obra de Matheus Menezes, constata-se uma opção por trabalhar com processos que são muitas vezes implícitos na atuação, como pontuação dos gestos em cena, pausas criadas para enfatizar uma ação, a leveza no olhar facial, o corpo no lugar na palavra dita, (etc.) possibilitando a criação de uma atmosfera com recursos sonoros cotidianos, ampliando as imagens cênicas do espectador, permitindo que este possa familiarizar-se com a cena ou criar novas realidades. Para Fernandino a musica como recurso da cena é um dos meios mais ricos de troca com o expectador, quando propõe um encontro entre o silêncio dilatado e corpo falante.

De acordo com Jussara Fernandino:

A presença da Música no contexto teatral expressa-se de duas maneiras. Uma mais evidente, em termos de material musical, como a sonoplastia e as eventuais manifestações musicais do ator, como tocar, cantar e dançar. E outra, implícita nos processos de atuação e encenação – dinâmica de cenas, construção de personagens, movimentação e deslocamento no espaço, possibilidades gestuais, plásticas e sonoras (corporais, vocais, dos objetos, do ambiente) –, processos esses que constantemente utilizam elementos musicais em sua constituição, como variações rítmicas, andamentos, pausas, alturas, timbres, dentre outros. Nesse segundo tipo de manifestação, a Música rompe sua “lógica interna”, reconfigurando seus materiais em função das interações com os demais discursos presentes no âmbito cênico. (FERNANDINO, 2008, pág11).

Para exemplificar neste, compartilhar-se-á as experimentações e vivencias na montagem do espetáculo teatral ‘Prosódia Bastiana ou traçados silenciosos de uma fé chorosa, de autoria e direção de Matheus Menezes. O Autor/Dramaturgo e diretor da obra, contribuiu para este com duas entrevistas, realizadas em 2018, nas cidades de Guaranésia e Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais, ambas em eventos teatrais.

CONSTRUINDO UMA NARRATIVA DE MEMORIAS DO AUTOR, ATRAVÉS DO SENTIDO DO SOM

Ouvir, reproduzir, produzir, criar musica, sons é uma atividade cuja origem se perde-se no tempo. Faz parte não apenas da vida cultural, mas principalmente de aspectos emocionas de cada individuo. Neste caso como construir a dramaturgia sonora de uma obra, cujo texto ou roteiro já esta criado, como narrar estas memórias escritas?

Menezes, conta que antes mesmo de pensar na trilha, na vestimenta, na luz (…) ele pensou na história narrada. E como contar algo de sua própria história que fosse sensível aos olhos e ouvidos do espectador.

Matheus Menezes, nascido na Bahia, na cidade de Jequié, que traz como tema de sua obra, sua própria história de vida e trajetórias. Decide mudar-se de Jequié, para estudar na cidade de Salvador. Para tal, Menezes, precisava deixar somente nas memórias sua vida em Jequié e agarra-se ao sonho dos grandes centros. Chegando a Salvador inicia os estudos na tão almejada graduação em Artes Cênicas na UFBA (Universidade Federal da Bahia). Menezes é ator, diretor, dramaturgo, performer e mediador cultural, atualmente licenciando em teatro pela UFBA. Enquanto mediador trabalhou em 2017 nos festivais FILTE, FIAC, FESTAC e em 2018 no Festival Petiz.

Os estudos continuaram, mas o desejo de compartilhar as memórias era um fato latente. Os primeiros passos vieram através da escrita e dos estudos dentro da graduação, criando um texto, uma pesquisa, um trabalho de dramaturgia para suas memórias, dessa forma, Menezes foi aos poucos organizando suas ideias, memórias, emoções, pela escrita. Aos poucos o que parecia distante, toma forma no papel.

Uma leitura realizada da forma escrita começa a traçar a mente criativa do ator e autor. Mas somente a leitura, parecia um pouco limitador ao universo narrativo de suas memórias. O texto/roteiro continham falas sobre o trabalho e a sobrevivência, a solidão e a solitude, o amor que se constrói no meio a prédios e danos, através da visão estética e afetiva de quem vive o êxodo de seu interior para a capital. Linhas escritas e memórias revividas do autor, este fora o primeiro passo.

Porém, assim como a escrita, a leitura passa por uma decodificação, porque é um processo de (re)atribuição de sentidos, mesmo quando escrevemos, ou lemos, automaticamente podemos (re)atribuir um sentido novo, ou imprimir uma sensação nova, ou própria daquele momento, então, a necessidade de um cuidado ao retratar suas memórias e trajetórias, ou seja, para Menezes, ainda faltava algo, para construir uma dramaturgia sensível, que levasse o espectador a criar suas imagens à partir de suas próprias vivências, mas também permitir que o espectador ouvisse suas memórias e pudesse recriar suas próprias sensações.

A construção de sentidos, seja pela fala, pela escrita ou pela leitura está diretamente relacionada às atividades discursivas e as práticas sociais, as quais, o individuo têm acesso ao longo de seu processo de socialização. O trabalho com a leitura geralmente adquire caráter sócio-histórico do dialogo e a linguagem verbal que tende a preencher um fator de representação social. Mas ainda assim para a completude da obra teatralizada, parecia pouco significativo para o autor, ele almejava mais, queria mais sensações em suas descrições, a cada escrita, a cada leitura uma (re)atribuição de sentidos, isso tornava o trabalho mais difícil.

Porém, não impossível, o processo de escrever, descrever, detalhar, cuidadosamente, para que não se perdesse a essência da poética em suas trajetórias, era delicado e sensível, conta Menezes.

Assim, o teatro, a música, a plástica vão adquirindo cada vez mais espaço na composição final, deixando e fazendo com que o autor se distribuísse nos papéis de ator, encenador e escritor.

O trabalho de pesquisa permeia as relações afetivas do autor, que interferem diretamente na construção plástica e sonora da obra. A convivência, cada vez mais intensa, baseada em relações de igualdade e não de poder, vai permitindo todas as formas de expressão de se unirem (corpo, voz, fala, sons, gestos, objetos) e se tornarem-se harmônicas, como em uma composição musical. Porém a experimentação estava apenas nos início.

Lívio Tragtenberg, (1999) acredita, ‘que o compositor deve possuir sempre a sua própria impressão e concepção de trabalho musical a ser desenvolvido numa encenação’. Para Menezes era claro as marcas da própria impressão na construção de sua obra teatral, o desafio estava em como realiza-la de maneira, tocante e afetiva, de maneira que não precisasse de uma comunicação propriamente dita verbal, que através de um som, de uma musica o espectador fosse atravessado por afetividades sonoras e construísse suas imagens. Ao apresentar a obra, os atores se tornarão mediadores desta narrativa, permitindo que o espectador tenha suas próprias vivencias e possa construir tanto suas imagens partindo de seus afetos pessoais, quanto serem tocados pelos afetos oferecidos pelos atores.

(…) todo trabalho sonoro de uma encenação deve ser construído sob uma concepção(…) Portando, a composição sonora dever ser concebida e tratada como um todo, reforçando a unidade de encenação (mesmo que essa unidade se expresse como fragmentariedade e montagem). (TRAGTENBERG, Lívio, 1999, pág. 45)

Assim como em uma composição, Matheus Menezes construiu os detalhes sonoros a partir da narrativa escrita e descrita por ele próprio, contendo sua trajetória, desde o caminhar de um lugar ao outro, a experimentação de comer pipocas de micro-ondas. Cada detalhe significativo ao invés de ser dito verbalmente era dito sonoramente.

Para melhor ilustrar este momento, citar-se-á neste uma das passagens no espetáculo, em dois distintos momentos fantásticos (deixando claro que existem outros): O ator sutilmente, mergulhado na dilatação do silêncio, atravessa a cena, onde se ouve apenas o tilintar dos sapatos durante toda a travessia entre lugar de encenação e espectador, o espectador levado ao silêncio dilatado em todo espaço, se torna observante fiel de cada detalhe narrado; a personagem em seguida ao adentrar o espaço cênico, pega uma sombrinha, como se observasse o tempo, olha de um lado ao outro, com gestos pontuais e enfatizados pelo contorno do corpo e o figurino, o mesmo esta a espera de alguma coisa, e aos pouco vai ficando claro para o espectador que ele começa a sentir pequenas gotas de chuva, a personagem estava a espera de uma chuva; mas como reproduzir, o momento da chuva sem recursos mecânicos?

Neste ponto o espectador, imerso, é levado pelo estado corpóreo do ator em sintonia com a personagem, cujos movimentos de sentir os pingos da chuva eram tão reais e poéticos, que a chuva já estava estabelecida, porém, Menezes, vai além e para surpresa do espectador, sutilmente, com gestos detalhados, a personagem/interprete abre a sombrinha, meio gasta, velha, azul e começa a cair da sombrinha aos poucos caroços de arroz, que ao bater no chão emitem o som mais sensível e forte ao mesmo tempo das chuvas de verão; a musica vindo da sombrinha era tocante, o som da chuva no final da tarde, com entardecer do sol, era uma das imagens claras, gosto, cheiro, som e forma de memórias estabelecida entre o espaço de encenação, os efeitos sonoros e o espectador.

Outro momento e apresentado pela caminhada do ator até um velho micro-ondas, que esta localizada na lateral da cena, neste momento, o único som durante alguns minutos era da pipoca estourando, acompanhada pelo cheiro de manteiga, ou seja além das afetações sonoras, proporcionados pelos efeitos sonoros, pela musicalidade apresentada na cena, o espectador muitas vezes despertava outros sentidos, como o do olfato, este fato não somente ocorrera com as pipocas, mas também com o cheiro do arroz que cai da sombrinha, ou da sopa que estava em um pequeno baú próximo ao micro-ondas.

Toda essa experimentação sonora levava o espectador a se manter no silêncio, apenas ouvindo a narrativas. Tal ação era traçada desde a entrada do ator em cena a sua finalização.

Já no começo do espetáculo percebemos uma pequena mudança, não tem como de costume os três sinais, neste não há nenhum tipo de sinalização de início de espetáculo, aviso/pedido de desliguem o seu celular, ou um boa noite (…) assim como em um traçado de fé silenciosa, não há de inicio nenhum aviso, e sim um pedido vindo do tilintar dos sapatos; a entrada do próprio Matheus em cena, caminhando geralmente a partir do fundo do lugar de encenação, onde é possível ouvir apenas o som de seus sapatos, com solados de madeira que anunciam a caminhada de alguém, provoca no espectador o estalo, é como se fosse traçado naquele momento um acordo com o publico assim que ocorre a entrada do ator para cena.

Peter Brook declara que o ator, para alcançar uma total clareza de intenções, deve trabalhar a perfeita harmonia entre pensamento, sentimento e corpo, o que se traduz por meio de três estados: “vivacidade intelectual, emoção verdadeira, um corpo equilibrado e disponível” (BROOK, 2002, p.15).

E assim, se faz a entrada de Matheus Menezes em cena. O ator mantinha uma emoção verdadeira em cada gesto feito em meio ao seu silêncio, que ia se alastrando por toda atmosfera, com os efeitos sonoros, ou os sons que ele proporcionava vindo de algum objeto (como um despertado que ele carregava ao longo da peça que soava em alguns momentos), ou até mesmo vindo de uma musica especifica tocado por ele ao pegar uma pequena sanfona. Estes detalhes percorriam todo o espetáculo.

O som apresentado pelo ator, que se estabelece do caminhar até o local da encenação, é acompanhada pelo peso do silencio da personagem, sua indumentária, que traçam este acordo com o publico no local, o silencio vai se dilatando por toda atmosfera, a comunicação sonora estabelecida pelos sapatos, acompanhando o corpo de uma senhora, a personagem em questão que percorre a plateia até adentrar o local da encenação e vai tomando conta de todo ambiente.

Nesse sentido, ressalta-se aqui a importância do silêncio na estética do autor, a comunicação é intensificada primeiramente a partir do silêncio, que constrói com os sons que vão surgindo todas as falas não verbalizadas do espetáculo.

Figura 1 – Matheus Menezes – ator/diretor; Prosódia Bastiana ou traçados silenciosos de uma fé chorosa.

Foto por Sidnaldo Lopes, Bahia 2017.

Figura 2 – Matheus Menezes – ator/diretor; Prosódia Bastiana ou traçados silenciosos de uma fé chorosa.

Foto por Diego Siqueira – Guaranésia 2018.

MEMÓRIAS, DRAMATURGIAS SONORAS NA ENCENAÇÃO TEATRAL DE PROSÓDIA BASTIANA

Descrever ou escrever sobre uma memória, pode parecer simples, mas quanto mais pesquisa sobre seus afetos emocionais, maior é a riqueza da escrita dramatúrgica. Matheus Menezes, não só atuou como escreveu e construiu a dramaturgia de seu espetáculo, assinando também parte da direção geral. Porém, para vivacidade de certos detalhes em sua trajetória, precisou de uma olhar a mais e também de dividir o palco com mais um artista.

O convite foi feito a um amigo da graduação, tanto para compor a atuação, quanto para assinar a direção. Sidnaldo Lopes agracia o espetáculo e também assina a direção geral. Sidnaldo Lopes, amigo da graduação, é ator, produtor e Licenciando em Teatro pela UFBA, formou-se como ator a partir do XXIX Curso Livre de Teatro da UFBA. No ano de 2017 fez a produção de espaços no Festival Internacional de Dança VIVA Dança. Recentemente assumiu a direção de produção do espetáculo ‘’Puta: Filha da que te Pariu’’.

Agora eram, dois pesquisadores, atores, dramaturgos e diretores, traçando a costura e encenação da obra. Com a chegada de Lopes e a pedido de Menezes, o texto foi revisado e juntos começaram a dar voz ‘sonora’ a tudo que então estava na escrita.

Para Menezes, a dramaturgia estabelece uma comunicação entre o texto, seu desenvolvimento e a cena e pode conter neste sentido diversas formas de dramaturgia, afinal tudo é dramaturgia, tudo tem sua dramaturgia (MENEZES, 2018).

Dessa forma, reforça a ideia de que a dramaturgia contém elementos capazes de se relacionar e produzir significados maiores.

FIGURAS – As figuras (fotos) acima em destaque foram captadas por atores, que acompanharam o processo de montagem e realização do espetáculo, nos anos de 2017 e 2018. Atores atuantes na técnica do espetáculo em destaque. Todas as fotos foram autorizas para publicação.

(…) A dramaturgia se configura então em uma pluralidade de elementos que interagem entre si a fim de obter um significado total para a obra e para o espectador. Dentro desta dramaturgia final pode-se citar diversas ramificações dramatúrgicas que auxiliam na construção do significado da obra, como a dramaturgia do cenário, dramaturgia do espaço, dramaturgia do ator, dramaturgia da iluminação, a própria dramaturgia do texto, dramaturgia sonora (…) (CARVALHO, 2015, pág. 15)

Partindo deste pensamento Menezes e Lopes, começam toda composição teatral, contendo a ação verbal e dando voz a ação musical e sonora. O que antes era estrutura pela escrita, agora era pelo som. Matheus relata que a busca por uma nova postura de suas interpretações foram encontradas, o fato de não falar propriamente dito, permitiu um novo lugar, uma nova voz, uma comunicação ampla na gama de imagens, permitindo uma relação com o espectador através do silêncio, ampliando todo seu estado corpóreo e o espaço da encenação que era limitado para maior intimidade com o espectador, porém agora lhe parecia gigantesco.

Prosódia Bastiana ou traçados silenciosos de uma fé chorosa, narra a transformação pessoal, a trajetória e mudanças na vida do interprete, que conta com apenas mais um ator em cena, dividindo as memórias, os encontros marcantes, e também a técnica geral do espetáculo, desde Jequié a Salvador.

Cuja estética do espetáculo nos leva a sensações de um pequeno vilarejo, com areia, tons pastel, certo verde nas plantas, o detalhe no cheiro do café, da sopa e da pipoca. A composição gestual detalhada em cada movimento, a respiração pontuada, o iniciar do dia com o som do despertador, a sensação da chuva com os grãos de arroz tocando o chão.

Neste espetáculo a figura do ator se torna o articulador, o mediador entre os sons e a plateia, de modo que não há neste primeiro contato nenhuma linguagem verbal, toda comunicação é estabelecida poeticamente com sons que pontuam a narração corpórea e a utilização de acessórios e objetos em cena.

É através do silencio que o espectador percebe a potencialidade da cena e dos efeitos sonoros oferecidos pelos interpretes. Para a construção cênica, o autor e diretor destaca algumas estratégias vivenciadas para descrever as cenas e as passagens de ambiente, optando pelo fato de não verbalizar o que havia escrito, a dramaturgia sonora foi uma valiosa ferramenta para as possibilidades expressas advindas de objetos como despertador, caneca de alumino, o tilintar dos saltos de madeira, o pequeno banco de madeira, os acessórios que constroem a vestimenta dos interpretes (…). Ou Seja a riqueza oferecida por toda e em toda cena.

Destaca-se ainda a presença de elementos musicais instrumentados com o pequeno acordeom (sanfona). E próximo a finalização o canto realizado pela personagem de Matheus Menezes, como um cantão de fé e angustia.

Prosódia Bastiana ou tratado de uma fé chorosa provoca o questionamento sobre qual a relação entre a linguagem verbal e não verbal, e o que acontece quando o som e o gesto se tornam palavra. A partida, a mudança, a saudade, as trajetórias que diluem-se no dia a dia, na expectativa das ilusões oferecidas pelas capitais, que ao mesmo tempo se tornam desilusões, a necessidade de comunicar algo de si para o outro, traçam toda a poética deste trabalho.

Vedar um sentido para aguçar o outro, transpor em sons o que a palavra na atingia, para apresentar as angustias das memórias de um jovem sobre a luta de fazer uma graduação saindo do interior para a capital, a solidão do silêncio gritado pelo mundo. Matheus Menezes adiciona toda essas sensações de maneira organizada, para retratar sua história. Sons organizados no lugar da fala verbal, comunicando toda esta vivência.

A musica, os sons, os efeitos sonoros, estão presentes desde o inicio ao final do espetáculo, como um todo. As possibilidades oferecidas pelos interpretes em comunicar com instrumentos e objetos que podem sugerir outros sons é fantástico.

Schafer, em seu livro Ouvinte Pensante, propõe um jogo de perguntas e respostas a seus alunos afim de entender o que eles sabem sobre o que é musica e também os oferece provocações de como dar som a objetos, situações, atmosferas, de forma a organizar sonoramente estes sons, para que eles sejam ouvidos. Quando os sons, se encontram organizados e promovem algum tipo de sensação, afetação, este sim se torna um componente musical. “Música é uma organização de sons (ritmo, melodia, etc.) Com intenção de ser ouvida”. (SCHAFER, Murray pág. 23, 2012)

Para Menezes, sua trajetória foi contada e foi contando com as maiores riquezas de detalhes através dos sons e musicas que compuseram a obra.

(…)emudecimento do cansaço em uma nova cidade em que o caos, o drama, a saudade e o tempo líquido são constantes. Os únicos sons que são projetados durante toda a cena são dos guizos de bode pendurados na minha vestimenta e dos sapatos com o salto de madeira, fazendo menção a limitações, visto que as sinetas que os animais carregam o pescoço são alarmes de fuga ao criador ou sinalização áudio-espacial, bradamos em silêncio então: eu estou aqui e eu estou pisando este chão. A dilatação e aceleração surgiram na analise aparente do tempo no interior e na analise do tempo na capital. Percebo uma agitação nos grandes centros e uma maior exaustão corpórea pela distância, contingente e processos locomotivos (…)Um tempo menos caótico no interior, uma memória retratada na dilatação do silêncio, que grita no grande centro, os sons que falam mais que palavras, traçando uma fé silenciosa. (MENEZES, Juiz de Fora; 2018)

UMA NARRATIVA QUE ENVOLVE E TOCA A ALMA PELO SOM

Utilizando do ultra-documental para emergir críticas e explanar sentimentos subjetivos de um interiorano na capital, Menezes e Lopes, deixam claro a poética de seu trabalho impresso no campo sonoro e interpretativo do espetáculo. Trazer um enredo real vivido pelo próprio ator, mas não necessariamente dito ao público de forma épica, clara ou com elementos da realidade – explicam os artistas, que completam: “usamos o silêncio em todo o espetáculo, a não voz, em metáfora ao emudecimento do cansaço em uma nova cidade em que o caos, o drama e o tempo líquido são constantes”. (MENEZES, Matheus e LOPES, Sidnaldo, 2018 – Juiz de Fora).

Elementos cênicos como a mala, trazem as mazelas do êxodo, tópicos específicos e subjetivos são tratados: o teatro do interior e o teatro de capital, além do afeto/desafeto.

A este fato podemos concluir que o espetáculo teatral “‘Prosódia Bastiana ou traçados silenciosos de uma fé chorosa”, nos permite entender todo o conceito da musica, dos efeitos de som, da musicalidade, à perspectiva Sonora, que é entender o espetáculo como um meio-ambiente acústico constituído por diversos componentes sonoros, e a relação entre eles em dois âmbitos: horizontal e vertical. O âmbito horizontal inclui a exploração sonora que fez parte do processo de pesquisa, criação e produção das sonoridades que compõem o espetáculo. O âmbito vertical se trata da execução final apresentada e da interação do conjunto das sonoridades, em coerência com o todo do espetáculo: dramaturgia, visualidades, atuações, etc. A Comunicação Sonora de um espetáculo tem a ver com envolvência do público, uma vez que as ondas sonoras ocupam todo o espaço e atravessa os corpos tocando diretamente a nossa sensibilidade. Assim, todo o percurso da apresentação propõe um atravessamento poético de sentimentos ao mesmo tempo em que é atravessado pelo silêncio dilatado no ambiente de encenação.

Figura 3 – Matheus Menezes; Figura 4 – Matheus Menezes; Figura 5 – Matheus Menezes tocando acordeom; Figura 6 – Matheus Menezes e Sidnaldo Lopes; Cena em Prosódia Bastiana ou traçados silenciosos de uma fé chorosa.

Fotos captadas pela atriz Danyela Silvério, apresentação realizada em 2018 no espaço Estação Palco – II Mostra InventaIncena de Artes Cênicas 2018 em Juiz de Fora.

FIGURAS – As figuras (fotos) acima em destaque foram captadas pela atriz Danyela Silvério no momento da apresentação em 2018. Todas as fotos foram autorizas para publicação.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Alves Monique. Dramaturgia sonora: um diálogo entre a teoria e a prática da utilização dos sons na cena. Pelotas/RS, 2015.

CASTILHO, Jacyan. A musicalidade da cena. Salvador/BA, 2008.

FERNANDINO, Jussara. MÚSICA E CENA: Uma proposta de delineamento da musicalidade no teatro. Belo Horizonte/MG, 2008.

MENEZES, Matheus. Entrevista para artigo. Cidades de Juiz de Fora e Guaranésia/MG, 2018.

PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro (1947). Tradução de: J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.

SCHAFER, Murray. Ouvido Pensante. São Paulo/SP: Editora Unesp, Edição 2ª, 2012.

TRAGTENBERG, Livio. Musica de Cena. São Paulo/SP: Editora Perspectiva, 1999.

TRAGTENBERG, Livio. Música de cena: dramaturgia sonora. (Signos da música; 6) São Paulo: Perspectiva, 2008.

http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/JSSS-7WKJB4; acesso em dezembro de 2018.

https://wp.ufpel.edu.br/teatro/files/2015/12/TCC.-MONIQUE-CARVALHO.-Dramaturgia-Sonora; acesso em dezembro de 2018.

http://www.revistarepertorioteatroedanca.tea.ufba.br/11/arq_pdf/amusicalidadedacena; acesso em dezembro de 2018.

[1] Mestranda em Artes Cênicas pela Universidade Federal de São João DelRei; Pós Graduada em Metodologia do Ensino das Artes – FACINTER; Graduada em Letras, Licenciatura Plena pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – CES; Graduada em Produção Cênica, pela Faculdade Machado Sobrinho; Membro da Diretoria da APAC – Associação dos Produtores de Artes Cênicas JF e Membro da diretoria da FETIMINAS e do Circuito Minas de Teatro do Interior.

Enviado: Fevereiro, 2019.

Aprovado: Maio, 2019.

 

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Adriana Ribeiro de Almeida

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