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Livros Acadêmicos

3. Experimento didático para determinação de ferro em amostra de medicamento utilizando imagens digitais

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Leandro Cabral Silva [1]

Vitor Hugo Migues [2]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/1840

INTRODUÇÃO

A colorimetria é a ciência e a tecnologia usada para quantificar e descrever fisicamente a percepção humana das cores (OHNO, 2020). Tradicionalmente, a colorimetria pode ser dividida em colorimetria visual e colorimetria fotoelétrica. A colorimetria visual é usada para medir a concentração observando a mudança de cor da solução-alvo a olho nu (WU et al., 2017). Todavia, é difícil distinguir diferenças sutis de cor a olho nu, portanto, a precisão de medição da colorimetria visual é menor do que a da colorimetria fotoelétrica. Por outro lado, a colorimetria fotoelétrica utiliza aparelhos como o colorímetro fotoelétrico e o espectrofotômetro, que é mais preciso na resolução de mudança de cor e na determinação da concentração (CLYDESDALE, 1987), sendo amplamente aplicado em vários campos. Desta forma, métodos clássicos (baseados em espectrofotometria na faixa do visível ou fluorescência) ou mesmo reações propostas para análises qualitativas no campo podem ser usados de uma forma nova e fácil de usar (CAPITÁN-VALLVEY et al., 2015).

A colorimetria é, de longe, a abordagem mais amplamente utilizada na análise química baseada em smartphones, com aplicações amplamente difundidas, como para cerveja (RICO-YUSTE et al., 2016), água natural e potável (HUSSAIN et al., 2016; PAPPIS et al., 2019), leite cru (HELFER et al., 2018), aguardente de cana-de-açúcar (BÖCK et al., 2018), urina (WANG et al., 2017), e macromoléculas biológicas (DUTTA et al., 2017; GUEDES et al., 2020).

Na sociedade moderna, obter e compartilhar dados analíticos em tempo hábil no local está se tornando cada vez mais significativo. Assim, a colorimetria de imagem digital (DIC) torna-se um tópico de pesquisa emergente. A DIC refere-se a um método de análise colorimétrica baseado na digitalização de imagens coletadas por algumas ferramentas de aquisição de imagem, como telefones celulares, câmeras digitais, webcams, scanners e assim por diante (FIRDAU et al., 2014). A leveza e a portabilidade dos smartphones e câmeras digitais fazem com que o uso desses dois produtos digitais na DIC supere em muito o de webcams e scanners. Em comparação com as câmeras digitais, os smartphones são amplamente utilizados como ferramentas de aquisição de imagens em DIC devido ao seu rápido aumento de uso, melhoria notável das funções da câmera e uso generalizado de aplicativos móveis (APPs) (COSKUN et al., 2013).

Para o procedimento de DIC, existem várias etapas, incluindo duas necessárias, aquisição de imagem com smartphone e quantificação de cores usando software específico de processamento de imagem (Adobe Photoshop, Image J, Studio etc.) sob espaço de cores adequado como RGB (vermelho, verde e azul), CMYK (ciano, magenta e amarelo), HSV/HSL (Matiz, Saturação e Brilho) (FAN et al., 2021).

Os smartphones ganharam interesse como dispositivos analíticos porque estão totalmente disponíveis a um custo razoável e permitem a aquisição, armazenamento e processamento de dados no mesmo dispositivo. Além disso, eles permitem a comunicação sem fio em tempo real (por exemplo, através de Wi-Fi, Bluetooth ou comunicação de campo próximo) com computadores ou outros dispositivos para obter informações in situ (CAPITÁN-VALLVEY et al., 2015; GIORDANO et al., 2016). Portanto, várias operações analíticas podem ser realizadas usando smartphones; isso os transforma em uma ferramenta adequada para análise.

De fato, com o avanço da tecnologia e o crescente uso de smartphones pelos estudantes, pode-se utilizar de metodologias de ensino ativas que aproximem o estudante do conteúdo e o torne ser pensante e criativo do processo. A atividade experimental, quando contextualizada, permite ao aluno relacionar o conteúdo científico com seu cotidiano. Ao contrário de uma atividade experimental técnica, que se baseia na experimentação como prova de conceitos teóricos, uma atividade experimental contextualizada pode facilitar debates sobre problemas do mundo real e estimular a investigação (LEITE, 2018). Os parâmetros curriculares nacionais do ensino médio reforçam essa ideia, enfatizando a contextualização, que ressignifica o conhecimento escolar, onde a aprendizagem é baseada na relação entre sujeito e objeto, possibilitando uma aprendizagem significativa (BRASIL, 1999).

Diante desse cenário, este trabalho propõe uma metodologia alternativa para realizar a quantificação de ferro em amostras de medicamentos, permitindo a exploração de diferentes conteúdos e conceitos químicos.

METODOLOGIA

O delineamento experimental é baseado em imagens digitais adquiridas com um smartphone e um software gratuito de decomposição de cores (vermelha, verde e azul). O modelo foi comparado com os resultados obtidos em um espectrofotométrico, no qual a cor complementar ao valor de absorbância exibido está relacionada à concentração do analito na amostra, permitindo sua quantificação. Essa metodologia modificada usa reagentes e materiais baratos e prontamente disponíveis, permitindo que seja realizada em uma ampla variedade de configurações.

A aula prática foi ministrada no laboratório de controle de qualidade do Centro Universitário Uniruy | Wyden, em Salvador, BA. A amostra de medicamento foi adquirida em farmácia local.

Nesta pesquisa foram utilizados os regentes: hidroxilamina (NH2OH), ácido clorídrico concentrado (HCl), ortofenantrolina monoidratada (C12H8N2.H2O), acetato de amônio (NH4C2H3O2), ácido acético glacial (CH3COOH), ácido sulfúrico concentrado (H2SO4), sulfato ferroso amoniacal hexaidratado [Fe(NH4)2(SO4)2.6H2O] e água destilada. A leitura das soluções diluídas do padrão e amostras foi realizada no espectrofotômetro da marca Thermo Scientific™ GENESYS 10S UV-Vis.

A preparação dos reagentes seguiu a metodologia descrita na norma 13934 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) (ABNT, 1997).

A curva de calibração foi construída nas seguintes concentrações: 0,02 mg/L; 0,05 mg/L; 0,1 mg/L; 0,2 mg/L; 0,3 mL; 0,4 mg/L e 0,5 mg/L. As concentrações foram feitas em triplicata para a construção da curva. A leitura das absorbâncias foi realizada no comprimento de onda de 510 nm, em cubetas de 10 mm.

Esse método clássico foi modificado e as análises foram realizadas a partir de um aplicativo para smartphone (denominado de PhotoMetrix). A sequência de procedimentos para a realização da determinação de ferro pode ser visualizada na Figura 1.

Figura 1: Esquema da sequência de procedimentos empregados na metodologia experimental baseada em imagens digitais para a determinação de ferro

As imagens digitais foram obtidas empregando-se um smartphone iPhone (modelo 11). Para a aquisição da imagem, foi construído um ambiente de luz controlada de papelão, na cor preta, com iluminação de LED de 5W na cor branca. Os frascos eram colocados dentro da caixa por uma abertura lateral. Na parte externa da caixa há um suporte para acomodar o smartphone.

O aplicativo Photometrix (HELFER et al., 2017) foi utilizado para calibração colorimétrica e quantificação das amostras. O aplicativo está disponível gratuitamente em smartphones com sistema operacional Android (Google Play store) ou sistema operacional iOS (Apple store).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A figura 2 apresenta o espectro de absorção do complexo ferro-ortofenantrolina. Como pode-se observar, o máximo de absorção ocorre em 510 nm.

Figura 2. Espectro de uma solução de complexo Ferro-ortofenantrolina

Como a luz afeta diretamente a cor dos objetos e soluções, eles geralmente exibem mudanças significativas na aparência da cor quando submetidos a diferentes fontes de luz. Por isso, curvas de calibração foram obtidas pelo método colorimétrico (sistema RGB) em sistemas de iluminação controlada e também no espestrofotometro.

A Figura 3 (em destaque) mostra uma imagem da solução padrão de Fe (II) após reação com a 1-10-fenantrolina utilizada para construir a curva de calibração, em sistema de iluminação controlada e pelo método espectrofotométrico.

A partir desta imagem, pode-se observar que há uma mudança na intensidade da cor avermelhada proporcional ao aumento da concentração de ferro (II). Essa mesma relação pode ser observada na configuração das curvas de calibração (Figura 3 – em laranja, obtida pelo aplicativo PhotoMetrix e em azul pelo espectrofotômetro), onde a relação é proporcional e linear ao longo dessa faixa de concentração.

Figura 3: Curvas de calibração obtidas para o complexo Fe(II)-ortofenantrolina

Legenda: Em azul pelo espectrofotômetro e em laranja pelo aplicativo PhotoMetrix. Em destaque, as soluções utilizadas na determinação e construção das curvas analíticas.

Para a aplicação do método proposto, foram utilizados medicamentos que continham ferro na sua composição, principalmente na forma de sulfato ferroso. Os resultados obtidos estão simbolizados na tabela 1.

Tabela 1: Concentração de ferro nos medicamentos analisados determinados por espectrofotometria UV-Vis e pelo aplicativo Photometrix. Os valores declarados pelos fabricantes e os valores encontrados além do erro experimental

Medicamento A B C D
Valor declarado 40mg 500 mg 50 mg 125 mg
Valor encontrado por espectrofotometria 435 mg 512 mg 47,5 mg 123,4 mg
Valor encontrado pelo Photometrix 39 mg 502 mg 52 mg 126 mg
Erro relativo Espectrofotometria 5 2,4 -5 -1,28
Erro relativo Photometrix -2,5 0,4 4 0,8

Verifica-se pela tabela 1 que as determinações utilizando ambos os métodos apresentam diferenças em relação ao teor observado e também ao declarado. O incremento da diferença reflete principalmente o tipo de medicamento. Todavia, embora apresentem diferenças, as amostras estão dentro dos padrões permitidos pela ANVISA.

Ademais, a análise por teste t pareado não revela diferenças significativas em relação as determinações dos analitos. Dessa forma, ambos os métodos podem ser utilizados na quantificação.

Embora os dados apresentados refletitam a eficácia dos métodos, análises mais profundas devem ser realizadas a fim de avaliar possíveis interferentes, como oxidantes de ferro presentes nos medicamentos. Tais contaminantes podem oxidar o ferro (II) a ferro (III), além de formar complexos com a ortofenantrolina.

Por outro lado, o procedimento com imagens digitais refletiu a busca e a reflexão dos alunos a respeito das análises e mostra-se um amplo campo de atuação e aplicação para a determinação dos mais diversos analitos. De fato, a utilização de equipamento e câmaras específicas tornam a obtenção de imagens digitais mais seletivas e menos interferentes possíveis.

CONCLUSÃO

A implementação da aula prática utilizando imagens digitais envolveu a interação do alunado na busca de resultados e interpretações e discussão dos dados representados. A exploração de estatística, construção de curvas e utilização de novas formas de aprender e ensinar, reflete em seres pensantes e críticos no seu processo de aprendizagem.

A criação de uma nova câmara com controle maior de luminosidade faz-se necessária, além de estudos sobre possíveis interferentes.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR 13934 – Água – Determinação de ferro – Método colorimétrico da ortofenantrolina. Rio de Janeiro: ABNT, 1997

BÖCK, F. C.; HELFER, G. A.; COSTA, A. B.; DESSUY, M. B.; FERRÃO, M. F. Rapid determination of ethanol in sugarcane spirit using partial least squares regression embedded in smartphone. Food Anal. Methods, vol. 11, n. 7, p. 1951-1957, 2018.

CAPITÁN-VALLVEY, L. F.; LÓPEZ-RUIZ, N.; MARTÍNEZ-OLMOS, A.; ERENAS, M. M.; PALMA, A. J.; Recent developments in computer vision-based analytical chemistry: A tutorial review. Anal. Chim. Acta, vol. 899, p. 23-56, 2015.

CLYDESDALE, F. M. Colorimetry–methodology and applications, CRC Crit. Rev. Food Sci. Nutrit., vol. 10, n. 3, p. 243–301, 1978.

COSKUN, A. F.; WONG, J.; KHODADADI, D.; NAGI, R.; TEY, A.; OZCAN, A. A personalized food allergen testing platform on a cellphone. Lab Chip, vol. 13, n. 4, p. 636–640, 2013.

DUTTA, S.; SAIKIA, G. P.; SARMA, D. J.; GUPTA, K.; DAS, P.; NATH, P. Protein, enzyme and carbohydrate quantification using smartphonethrough colorimetric digitization technique. J. Biophotonics, vol. 10, p. 623–633, 2017.

FIRDAUS, M. L.; ALWI, W.; TRINOVELDI, F.; RAHAYU, I.; RAHMIDAR, L.; WARSITO, K. Determination of chromium and iron using digital image-based colorimetry, Procedia Environ. Sci., vol. 20, p. 298–304, 2014.

GIORDANO, G. F.; VICENTINI, M. B. R.; MURER, R. C.; AUGUSTO, F.; FERRÃO, M. F.; HELFER, G. A.; COSTA, A. B.; GOBBI, A. L.; HANTAO, L. W.; LIMA, R. S. Point-of-use electroanalytical platform based on homemade potentiostat and smartphone for multivariate data processing. Electrochim Acta, vol. 219, p. 170-177, 2016.

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HELFER, G. A.; TISCHER, B.; FILODA, P. F.; PARCKERT, A. B.; SANTOS, R. B.; VINCIGUERRA, L. L.; FERRÃO, M. F.; BARIN, J. S.; COSTA, A. B. A New Tool for Interpretation of Thermal Stability of Raw Milk by Means of the Alizarol Test Using a PLS Model on a Mobile Device. Food Anal. Methods, vol. 11, p. 2022–2028, 2018.

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WU, S.; LI, D. D.; WANG, J. M.; ZHAO, Y. Q.; DONG, S. J.; WANG, X. Y. Gold nanoparticles dissolution based colorimetric method for highly sensitive detection of organophosphate pesticides, Sens. Actuators B-Chem., vol. 238, p. 427–433, 2017.

[1] Graduando. ORCID: 0000-0002-4790-5937. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4711584140427622.

[2] Doutor. ORCID: 0000-0002-3026-8716. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6383334773800171.

Leandro Cabral Silva

Leandro Cabral Silva

Graduando. ORCID: 0000-0002-4790-5937. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4711584140427622.

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