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Racismo – Uma Questão Étnica Racial Brasileira

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CONTEÚDO

SALES, Gutemberg Martins de [1]

SALES, Gutemberg Martins de. Racismo – Uma Questão Étnica Racial Brasileira. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 07, Vol. 07, pp. 5-19, Julho de 2018. ISSN:2448-0959

Resumo

A presente pesquisa discorre sobre o conhecimento relacionado à questão racial. A escolha do tema aconteceu por observarmos que na atualidade, mesmo após tantos anos de abolição da escravatura, o negro ainda é tratado com discriminação e muito preconceito. Por meio da pesquisa bibliográfica procurou-se discutir as ideias e pensamento dos autores citados nas referências, inicialmente questionando sobre como se estrutura a sociedade brasileira e qual foi a sua relação com a questão racial? Para isso foi feita uma análise sobre as teorias raciais, trazendo a influência desses fundamentos para a construção do racismo brasileiro que conhecemos atualmente, e todas as formas de insurgência que o negro utilizou para se posicionar frente à postura racista da sociedade brasileira.

Palavras chave: Racismo, Preconceito, Resistencia, Democracia Racial.

Introdução

A proposta desta pesquisa é analisar a produção de conhecimento relacionada à questão racial, pois a sociedade brasileira é constituída por diferentes grupos étnico-raciais que a caracterizam, em termos culturais, como uma das mais ricas do mundo. Contudo a história da sociedade brasileira carrega marcas da desigualdade e discriminação, especialmente contra negros, impedindo, desta forma, seu pleno desenvolvimento econômico, político e social.

Como referencial teórico, elencamos para discutir a temática, José Barbosa da Silva Filho e Florestan Fernandes, que abordam a visão da sociedade brasileira em relação ao negro; Andreas Hofbauer e Nilma Lino Gomes que abordam o princípio histórico do conceito de raça e como ela é ideologicamente apropriada na construção hierárquica das relações entre negro e branco; Petrônio Domingues e Ivair Augusto Alves dos Santos que tratam da resistência negra como forma de resistir à imposição da sociedade brasileira.

A escolha do tema “Racismo – uma questão étnica racial brasileira” aconteceu por observarmos que na atualidade, mesmo após tantos anos de abolição da escravidão, o negro ainda é tratado com discriminação e muito preconceito.

Objetivou-se conhecer as formas por meio das quais o racismo aflora na sociedade brasileira, tendo as instituições de ensino (Fundamental, Médio e superior) como sendo os ambientes nos quais o racismo e as discriminações, fazem parte da cultura brasileira e mais acontecem.

O Brasil é conhecido por seu período colonial marcado pelo regime escravocrata que influenciou com características especificas a formação social brasileira. O racismo no Brasil foi e tem sido praticado desde o momento da chegada forçada dos negros no país como escravos. Assim, a profunda desigualdade racial e social entre negros e brancos é encontrada em todas as esferas sociais brasileiras.

Dessa forma questiona-se questionando como se estrutura a sociedade brasileira e qual foi a sua relação com a questão racial?

Para responder a essa pergunta utilizamo-nos da pesquisa bibliográfica, exploratória de análise qualitativa, a qual segundo Severino (2007) tem como fonte primordial os registros impressos decorrente de pesquisas anteriores, ou seja, livros, artigos ou teses que contêm texto analiticamente processados pelos seus autores. Essa fonte de pesquisa é amplamente utilizada nos estudos exploratórios devido a sua facilidade para obtenção de informações iniciais sem a necessidade de ir a campo.

Iniciamos apresentando o Brasil e suas questões raciais diante da resistência negra. Em seguida discutiu-se sobre o mito da democracia racial brasileira. Posteriormente tratamos sobre a resistência negra apresentando os negros no Brasil.

1. Brasil: questões raciais e resistência negra

As relações entre brancos e negros foram configurados na sociedade brasileira, levando em consideração as antigas teorias raciais formuladas; a afirmação de uma relação de diferenças entre os povos; os encontros raciais construídos nessas relações de poder; a persuasão da religião na manutenção do racismo e a forma como a sociedade reproduz a ideologia da supremacia branca. Em um período da história da humanidade a ciência foi uma ferramenta, que legitimou o domínio de um povo sobre o outro, consequentemente viabilizou a exploração de uns, que eram considerados inferiores, sobre outros considerados superiores.

Segundo Hofbauer (2006), ao olharmos as lentas transformações na interpretação do mundo e do outro até o final do século XVII (na Europa e nos Estados Unidos) podemos observar três tendências sendo essas transformações sociais, políticas e econômicas dentro de uma ordem estamental.

Na visão de Silva Filho (2004), o poder das ideais sempre foi algo que até os dias atuais influenciou ou dominou a sociedade. A partir de relatos históricos de cunho, supostamente científicos, justificaram ou comprovaram, durante um tempo, algumas ações de certa camada da sociedade.

O que aconteceu com o continente africano foi um exemplo, de que, a partir de uma ideia, originaria do continente europeu, a intenção de dominação do homem em relação ao outro homem se naturalizou, e assim a Europa conseguiu dominar e explorar o continente africano e outros continentes. Tudo isso aconteceu a partir da aprovação de uma comunidade científica, que compactuava com os mesmos ideais de dominação e superioridade, possibilitando a disseminação de uma doutrina ideológica, denominada racialismo.

Racialismo foi uma ciência que ensinava às pessoas, dentre outras coisas, a construção de um pensamento que acreditasse na determinação biológica de qualidades morais, psicológicas e intelectuais, ao longo da transmissão de caracteres fenotípicos que definem raças (GUIMARÃES 2002, p. 51).

Seguindo essa explicação, podemos entender que por muito tempo, se acreditou que a partir de algumas características fenotípicas o povo africano foi considerado um grupo inferior, tanto intelectualmente como culturalmente e psicologicamente em relação aos povos da Europa.

Na visão de Gomes (2005), o racismo esta relacionado ao comportamento de abominação ou ódio de indivíduos que pertencem à racista distinta. Sendo também considerado o fato de ser existir, no imaginário de alguns indivíduos, grupos classificados inferiores e outros superiores.

Conforme explica Silva Filho (2004), foram alguns estudos científicos que comprovaram, em certo período, que o homem africano, ou negro possuía o crânio menor que o crânio do homem europeu, ou branco, isso determinava que o QI (quociente de inteligência) do negro, era inferior ao branco. Com isso, essas ideias contribuíram para que houvesse uma imagem deturpada do negro e resultando em uma verdade absoluta para todos.

Para explicar o conceito de raça Guimarães (2003), faz uma separação de conceitos dividindo-os entre analíticos e nativos, para possibilitar uma análise de um determinado fenômeno, explicando que:

Um conceito analítico ou categoria analítica é o que permite a análise de um determinado conjunto de fenômenos, e faz sentido apenas no corpo de uma teoria. Quando falamos de conceito nativo, ao contrário, é porque estamos trabalhando com uma categoria que tem sentido no mundo prático, efetivo. Ou seja, possui um sentido histórico, um sentido específico para um determinado grupo humano. A verdade é que qualquer conceito, seja analítico, seja nativo, só faz sentido no contexto ou de uma teoria específica ou de um momento específico (GUIMARÃES 2003, p. 95).

Explicando sobre o que é raça Guimarães (2003), aborda a questão de que forma são analisados esses termos, porém ele afirma que no sentido analítico raça possui duas explicações: uma que é assumida pela ciência (biologia genética) e outra pela sociologia.

O termo raça sempre foi objeto de grandes discussões no âmbito acadêmico e no cotidiano da sociedade brasileira. Pensando na sociedade brasileira, o termo raça sempre trouxe várias formas de sentimentos, devido ao fato de que para os brasileiros a palavra raça traz a ideia de racismo, como resquício do período de escravidão no Brasil (GOMES, 2005, p. 30).

Para Gomes (2005), a existência da desigualdade social esta ligada a questão do racismo estrutural, juntamente com as questões econômicas e sociais, que afetam tanto a sociedade brasileira, como um todo, como principalmente a população negra, que é atingida diretamente.

Devido a essa linha de pensamento, o movimento negro e alguns estudiosos do assunto, preferem se referir ao termo raça, no sentido político, como uma forma de trazer a tona o debate da desigualdade, principalmente econômica e social, que existe entre a população negra e branca no Brasil.

Os militantes e intelectuais que adotam o termo raça não o adotam no sentido biológico, pelo contrário, todos sabem e concordam com os atuais estudos da genética em que não existem raças humanas. Na realidade eles trabalham o termo raça atribuindo-lhes um significado político construído a partir da análise do tipo de racismo que existe no contexto brasileiro e considerando as dimensões históricas e culturais que este nos remete (GOMES, 2005, p. 31).

A questão da raça tem uma função operacional para definir a posição social e cultural de cada indivíduo, e é a partir dessa visão que Gomes (2005), afirma que aqueles que lutam por ações afirmativas trabalham.

Quando referimo-nos à desigualdade racial não entendemos raça no sentido biológico, e sim segundo o ponto de vista dos movimentos negros, em que militam pessoas que lutam contra todo e qualquer tipo de discriminação associada à cor da pele; raça é entendida, portanto, no seu sentido histórico-social, de modo que, quando adotamos os termos raça e racial, estamos nos referindo aos segmentos da população negra de ascendência africana (LIMA, 2007, p. 63).

Tanto a biologia como a sociologia criou um conceito de raças humanas, para que assim pudessem dividir os seres humanos em subespécies. Essa divisão estaria ligada a valores morais, psicológicos e intelectuais. Este tipo de explicação de raça foi considerado como uma ciência e só após alguns séculos é que se tornou antiquado esse tipo de ideia, porém foi justamente a partir desse conceito que surgiu o racismo (GUIMARÃES, 2003).

É impossível determinar geneticamente as raças humanas a partir de uma criação fundamentada em características fenotípicas ou genotípicas. As raças são, cientificamente, uma construção social e devem ser estudadas por um ramo próprio da sociologia ou das ciências sociais, que trata das identidades sociais. Podemos dizer que as raças são efeitos de discursos; fazem parte desses discursos sobre origem (GUIMARÃES, 2003, p. 96).

Para Hofbauer (2006), no início da história da humanidade o termo raça não estava ligado a questões biológicas, e sim a questões políticas e econômicas, com forte influência da igreja católica. Além de existir uma diferença nas características fenotípicas também existiam diferenças no setor cultural, social e econômico, que eram utilizados como critérios para exclusão do negro na sociedade.

Os primórdios da história da noção de raça, portanto, nada têm a ver com uma diferenciação de grupos humanos segundo cores de peles diferentes ou outros critérios fenotípicos. Constelações políticas e econômicas específicas levariam, com o decorrer do tempo, a uma convergência do critério cor (com conotações ainda fortemente morais e religiosas) com a categoria raça (HOFBAUER, 2006, p. 97).

Para Hofbauer (2006) a realidade do sujeito não era levada em consideração e, portanto, aquele que era diferente, no que se refere às suas qualidades ou características bem como sua origem não predeterminava a inclusão ou exclusão do grupo social em que vivia, mas sim a sua cristandade, garantindo assim um tratamento diferenciado dentro do processo de integração da mesma. A influência da religião contribuiu para a naturalização da ideia de superioridade e exploração dos brancos para com os negros.

Silva Filho (2004) retrata que a Companhia de Jesus, que foi fundada no século XVI por Ignácio de Lopes de Recalde, nascido em 1534 na cidade de Loyola, norte da Espanha, conseguiu executar essas teorias e utilizar o Brasil como um grande laboratório para expansão dessas ideias.

Para os jesuítas os índios, que foram os primeiros habitantes do Brasil, eram considerados homens inocentes e de fácil trato para catequização, ou adestramento, visto que eram parecidos aos animais dóceis. E o fato de não terem o catolicismo como doutrina religiosa e sua cultura ser totalmente diferente dos europeus, os jesuítas se referiam aos índios como povos de almas pagãs, e que por isso sua missão era de trazer as ideias da igreja católica para esse grupo, com a finalidade de ajudá-los a conseguir sua salvação para o reino de Deus.

Na verdade, essa argumentação servia para justificar a dominação do povo e território brasileiro da época e a exploração do índio e as riquezas naturais que o país possui. Isso fazia parte do projeto marítimo português, que logo depois trouxe os africanos na condição de escravos para o Brasil, e assim potencializou suas ações. Todas essas explicações serviam para construir os valores morais e éticos dos sujeitos.

Tanto a ciência como a religião, que são pilares constituintes de grande persuasão da sociedade, sedimentara um pensamento sobre os povos africanos legitimando a relação de negro = escravo ou escravo = negro como algo natural pela população e sendo visto como fato real, para algumas pessoas, até os dias de hoje (SILVA FILHO, 2004, p. 16).

Segundo Hofbauer (2006), o universalismo cristão garantia também a todos os seres humanos a possibilidade de receber a verdadeira fé, mesmo que possuíssem diferenças, sejam elas quais fossem.

Vimos que, na fase inicial da expansão européia, o conceito “negro” trazia consigo uma conotação primordialmente ético religiosa, que se expressa também em interpretações geográficas climáticas acerca das origens das diferenças. (HOFBAUER 2006, p. 158).

Com o fim da escravidão e a proibição dos métodos, violentos de agressão física, que os senhores de engenho utilizavam para dominar o negro, o uso da linguagem passa a se tornar um novo mecanismo para criar uma imagem negativa do negro, consequentemente, retornando aos mesmos ideais que eram utilizados na ciência, como o positivismo; iluminismo; determinismo e outras teorias que defendiam a existência de uma diferenciação entre negros e brancos, assim, recolocando o negro novamente no contexto de naturalização da inferioridade, marginalidade, ausência de capacidade e subalternidade.

No século XV, o negro assumia ainda outra função para a realeza européia, era moda os nobres manterem servidores e pajens africanos, como símbolo de status e poder. E a partir do século XVII, o ideal de brancura, fez com que as damas da corte evitassem o sol, começando a usar vários métodos como, pomadas, purgativos entre outros, para deixar a pele mais clara e o servidor africano acabava servindo a essa função decorativa (HOUFBAUER, 2006, p. 160).

Com isso o negro passa a ser visto como uma figura depreciativa, e assim o silencia, tornando- o um ser invisível, onde não há o reconhecimento do negro como participante da construção cultural, social e econômica do país, desconstruindo sua identidade, além de ser retratado como algo negativo.

2. O que foi o mito da democracia racial brasileira

Observando-se como se desenvolveu a construção das relações raciais no Brasil entenderemos, que a mesma sempre foi marcada pela subjugação de um dos lados: seja na escravidão, na qual o negro era considerado objeto sexual mão de obra ilegal, seja na pós-abolição, onde, na tentativa de manter a estrutura hierárquica social, foram desenvolvidas outras justificativas para a exclusão do negro nos espaços sociais de incompetência para o trabalho à tendência à marginalidade, da instabilidade emocional e luxúria ao incômodo de suas características físicas, rejeitadas e estereotipadas negativamente.

A sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre os seus ombros a responsabilidade de reeducar-se e de transformar-se para corresponder aos próprios padrões e ideais de homem, criados pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e capitalista (FERNANDES, 2007, p. 20).

Enquanto o Brasil vivenciava o período escravocrata, o negro tinha o seu devido lugar na sociedade, ser escravo, servir e atender todas as necessidades do homem branco, que se entendia como um único a ser considerado cidadão brasileiro, mas com a abolição esse cenário começa a se modificar, porque com a libertação, o negro passa a lutar pelo seu espaço na sociedade e o desejo de ser visível, ter uma identidade nessa nova sociedade.

O Brasil foi construído com a escravidão, com pessoas de uma determinada parte do continente africano, onde segundo Guimarães (2003) essas pessoas eram chamadas de “africanas”, e o termo “negra” já nasce de um processo de dominação, onde caracterizar todos os africanos em uma só palavra definia uma homogeneização de etnias e culturas para poder dominar com mais facilidade e construir o que vamos chamar de “lugar do negro” na sociedade que aqui era o de escravizado.

No desenvolvimento do regime escravocrata no Brasil, Hofbauer (2006), relata que os negros trazidos para o espaço colonial, sofriam várias formas de abusos. A dura rotina de trabalho era geralmente marcada por longas jornadas e a realização de tarefas que exigiam um grande esforço físico. Dessa forma, principalmente nas grandes propriedades, observava-se que o tempo de vida de um escravo não ultrapassava o prazo de uma década.

Partindo das reflexões de Fernandes (2007), a exclusão do negro na sociedade é consequência do processo de abolição da escravatura, onde a inserção do negro na sociedade de classe foi feita de forma lenta, somente lhes permitindo ocupar os setores subalternos da sociedade.

O negro tinha um déficit cultural em relação ao branco, que já estava adaptado ao trabalho livre e a industrialização. O processo de integração dos negros na sociedade de classe absorveu as relações raciais vividas no passado e foi redefinido com a condição de trabalhador livre, para o autor o regime de classes no Brasil se desenvolveu com as estruturas sociais e com as hierarquias do passado escravista (FERNANDES, 2007, p. 22).

Conforme Fernandes (2007, p. 30), após a libertação dos negros, dois blocos distintos dessa população se formaram. Sãos os “negros da casa grande” e os “negros do eito” Ambos vieram na condição de escravos, mas acabaram trilhando caminhos diferentes. Os negros do eito tiveram um destino mais degradante, já que seu trabalho na condição de escravo no regime anterior sempre foi condicionado ao trabalho rústico na lavoura não sabendo exercer outra função, completamente analfabetos não tinham protetores brancos que os preparassem para o trabalho livre ou dessem condições materiais para tanto.

A democracia racial significa um sistema racial desprovido de qualquer manifestação de preconceito e discriminação. Com a libertação dos escravos e a proclamação da república se universalizou a tese de que todos os sujeitos teriam acesso à cidadania, ou seja, os negros recém-libertos passariam a desfrutar de forma igual de direitos e oportunidades em relação aos brancos em todas as esferas da vida pública (DOMINGUES, 2005, p. 116).

Domingues (2005) ressalta que de acordo com a Constituição Federal de 1891, não tinham direitos políticos (não podiam votar e nem ser votados) os analfabetos, o que já anulava os negros de algum tipo de igualdade, assim:

Nesse novo contexto, os negros continuaram em desvantagens frente aos brancos e não podiam concorrer em condições paritárias; cor não deixou de ser um fator restritivo ao sucesso individual e/ou do grupo. Por isso, na competição que se instaurou entre negros e brancos, o trabalho, a competência, inteligência, capacidade e esforço individual não poderiam ter sidos os únicos requisitos que iriam determinar o acesso a bens públicos e privados. Já que o mérito não era o único critério para o indivíduo vencer na vida em uma sociedade marcada pela desigualdade, qualquer infortúnio pessoal poderia ser reflexo das injustiças raciais ou como distorções do sistema social (DOMINGUES, 2005, p, 117).

Conforme Domingues (2005), a sociedade considerava o fracasso dos negros como consequência de suas próprias deficiências, o fato de terem sido escravizados por quase quatrocentos anos, e todo reflexo que isso poderia causar, não eram levados em consideração. É importante ressaltar que não houve nenhum projeto de integração do negro após a abolição, eles foram inseridos em um sistema de trabalho que não estavam habituados, eram analfabetos, carente dos mínimos necessários para sua sobrevivência.

A aparente empatia dos italianos pelos negros pode ter contribuído para uma falsa consciência racial. Alguns brancos e negros atribuíam ao clima de suposta união, como por exemplo, no bairro da Bexiga, a ausência de preconceitos raciais (DOMINGUES, 2005, p.121).

A miscigenação também foi um dos fatores importantes que contribuiu para o mito da democracia racial. O elevado nível de miscigenação se deu ao livre processo de exploração sexual da mulher negra escravizada. Dito isso, a democracia racial no Brasil, atribuiu ao mulato uma categoria diferente ao do negro, cenário completamente diferente dos Estados Unidos, que não fazia distinção do grau de pigmentação do mulato, eram todos considerados negros.

O mulato no sistema racial brasileiro passou a ter um tratamento diferenciado, com maiores chances de ascensão social e aceitação social, mas em contra partida, capitulou mais facilmente aos interesses da dominação, amortecendo o choque derivado do antagonismo racial (DOMINGUES, 2005, p.125).

Para Hofbauer (2006), a mídia é o maior mecanismo de formação ideológica para as massas, e com ela as pessoas costumam relacionar as heranças, vistas como positivas ligada aos imigrantes europeus, no sentido de se tornar mais próximo a cultura européia, sem citar o que os imigrantes africanos contribuíram para o desenvolvimento da cultura brasileira, tornando aparentemente distante nossa ligação com a África.

Silva Filho (2004) declara que a nossa ligação com o continente africano está mais próxima e mais intensa que quaisquer outras influências. A presença negra esta tanto na linguagem falada, escrita e gestual; no modo de se vestir; em todas as formas de arte; na mentalidade; na filosofia de vida; nos sentimentos; na religião; e nas relações sociais, porém não é reconhecida, mas é vivida principalmente pela camada popular, existindo como uma forma de resistência.

A demanda por reparações visa a que o Estado e a sociedade tomem medidas para ressarcir os descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de influir na formulação de políticas, na pós-abolição. Visa também a que tais medidas se concretizem em iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de discriminações. (BRASIL, 2004, p. 6)

Infelizmente, o racismo no Brasil não é ilusão. Pelo contrário, existe em diversos espaços e suas consequências de desigualdade ecoam em todas as instâncias sociais. A cidade, enquanto espaço de produção e reprodução social, reflete a forma como a população negra é tratada, ou seja, ela se configura a partir da maneira como a sociedade se organiza: desigual e segregada.

3. A resistência negra

A partir dessa seção, trataremos da resistência negra, como uma forma de apresentar como os negros no Brasil nadaram contra a corrente racista. Constatamos que as teorias raciais, se utilizaram da ciência para justificar as ações de exploração à população negra, e a forma como a sociedade brasileira foi construída.

As atitudes marcadas pelo preconceito e pelo racismo atentam contra a dignidade da pessoa; se algo humilha uma pessoa, a humilhação pode não atingir a integridade física, mas atinge a sua dignidade espiritual como pessoa (SOARES, 2004, p. 57).

Passando por dificuldades e humilhações que dizem respeito à fome violência física e sexual, exploração da mão de obra e condições insalubres de vida, com isso Hofbauer (2006), afirma que foi tempo mais que o suficiente para que essa situação fosse inconscientemente assimilada por grande parte da sociedade. Tanto foi assim que mesmo depois da abolição da escravidão, o negro continuou sendo escravo, e perseguido, ainda assim sendo escravo de uma sociedade que se recusou a inseri-lo em seus meios sociais.

A maior proeza no mito da democracia racial foi ter ocultado: primeiro o conflito inter-racial; segundo as abissais desigualdades sociais entre negros e brancos em São Paulo (…) forjou o fetiche da integração simbólica do negro no seio da nacionalidade. O idílico cenário racial era apontado como vantagem para o desenvolvimento nacional (DOMINGUES. 2005 p. 122).

A luta contra o preconceito racial e de classe como uma manifestação cultural, não estaciona no tempo. É um elemento que o coloca como um motor propulsor de transformação cotidiano, no qual seus membros partilham das transformações que agregam valores no seu modo de vida. Entende ainda que com isso, a pobreza, a exclusão e o descaso para com os menos favorecidos, caminham lado a lado. O analfabetismo é um mal que persegue nosso país, desde que houve a oficialização de um idioma nacional (HOFBAUER, 2006).

A resistência negra surge como uma forma política de associativismo negro que, principalmente, resiste à posição imposta pela sociedade para o lugar da população negra. Esta forma de construção de uma sociedade brasileira classista que corrobora com o racismo, como vimos acima, bebe na fonte das teorias raciais, no momento em que a religião e a ciência foram utilizadas como mecanismos que legitimaram a disseminação da supremacia branca, a ponto de se tornar uma verdade absoluta, devido ao fato de emanar de fontes ditas confiáveis. Mesmo o comunismo, um dos setores mais conscientes politicamente, legitimou, em certa medida, o mito da democracia racial nas primeiras décadas do século XX (DOMINGUES, 2005, p. 123).

Para reverter esse contexto de marginalização no alvorecer da República, Domingues (2006), afirma que os libertos, ex- escravos e seus descendentes criaram diversos movimentos populares, como o de Canudos e a Revolta da Chibata, com o objetivo de mobilizar a população negra no Brasil.

Ao longo da exclusão sócio-racial de nossa história, principalmente após a abolição, no caso do racismo, este só se torna prioridade de combate se as pessoas o encaram como uma afronta pessoal, só que isso só é possível, se a vítima desse ato se identificar como foco deste, se considerarem negras e não só, considerar o racismo uma forma preconcebida e injusta de tratar a diferença historicamente e perversamente construída (HOUFBAUER, 2006, p. 166).

Conforme Houfbauer (2006), a perspectiva de alguns estudiosos, as manifestações culturais dos negros também indicavam outra prática de resistência. A associação dos orixás com santos católicos, a comida, as lutas (principalmente a capoeira) e as atividades musicais eram outras formas de se preservar alguns dos vínculos e costumes de origem africana. Com o passar do tempo, vários itens da cultura negra se consolidaram na formação cultural do povo brasileiro.

Sucinta Domingues (2006), que o Movimento Negro Brasileiro: e alguns apontamentos históricos, cuja ideia central é demonstrar que, em todo período republicano, esse movimento vem desenvolvendo várias estratégias de luta pela inclusão social do negro e a superação do racismo na sociedade brasileira. O negro e o mulato pretendiam as mesmas condições de vida e tratamento concedidos aos imigrantes, porém obstinavam-se em repudiar certas tarefas ou, o que era mais grave, o modo de dispor de seu tempo e energias.

Assim, para Fernandes (2007), a escravidão atingia o seu antigo agente de trabalho no próprio âmago de sua capacidade de ajustar-se à ordem social associada ao trabalho livre. Tornava-se difícil ou impossível, para o negro e o mulato, dissociar o contrato de trabalho de transações que envolviam, diretamente, a pessoa humana.

Ao contrário do imigrante, que percebia com clareza que somente vendia sua força de trabalho, em dadas circunstâncias de prestação de serviços, eles ajustavam-se à relação contratual como se estivessem em jogo direitos substantivos sobre a própria pessoa. Ou seja, como se vendessem, em parte ou totalmente, ao aceitar e ao praticar as estipulações do contrato (FERNANDES, 2007, p. 29).

Caminhando na perspectiva de que o negro não foi inserido na sociedade brasileira, e sim, ficou a margem, sem auxilio do poder público e da sociedade Domingues (2005), afirma:

Nesse novo contexto, os negros continuaram em desvantagens frente aos brancos e não podiam concorrer em condições paritárias; cor não deixou de ser um fator restritivo ao sucesso individual e/ou do grupo. Por isso, na competição que se instaurou entre negros e brancos, o trabalho, a competência, inteligência, capacidade e esforço individual não poderiam ter sido os únicos requisitos que iriam determinar o acesso a bens públicos e privados. Já que o mérito não era o único critério para o indivíduo vencer na vida em uma sociedade marcada pela desigualdade, qualquer infortúnio pessoal poderia ser reflexo das injustiças raciais ou como distorções do sistema social (DOMINGUES, 2005, p. 117).

Observa-se que ao longo do século XX, a humanidade presenciou importantes momentos que ajudaram e marcar a luta contra preconceitos que permeiam as sociedades há séculos. O fato é que a sociedade brasileira encontra-se marcada pela exclusão social e pela discriminação racial. Essa situação reflete a existência de um racismo efetivo, com repercussões negativas na vida cotidiana da população negra, principalmente quando cidadania é o tema em questão (BORGES, 2002).

A cidadania é o direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos não é um dado. É um construído da convivência coletiva, que requer o acesso ao espaço público. É este acesso ao espaço público que permite a construção de um mundo comum através do processo de asserção dos direitos humanos (ARENDT, 2010).

Por direitos humanos ou direitos do homem, são modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir. (HERKERNHOFF, 2002, p. 30).

Na história brasileira nunca se falou tanto em cidadania e em direitos humanos como nos últimos séculos se constituindo em um dos focos de interesse de diferentes instâncias da sociedade: movimentos sociais, meios de comunicação, partidos políticos, organizações sindicais, instituições governamentais e não-governamentais e o meio acadêmico.

A motivação por essas questões eclodiu, principalmente, com o processo de redemocratização da sociedade brasileira, após longo período de mutilação da cidadania, no qual os direitos civis e políticos foram cerceados, e devido ao distanciamento que separa o direito proclamado e a sua concretização, mesmo a despeito de o Brasil ter avançado em termos político-jurídicos dos ideais proclamados da democracia, conforme o que está prescrito no art. 5º da Constituição Federal de 1988.

A educação em direitos humanos deve ser de forma tal que os princípios éticos fundamentais que o cercam, sejam para todos nós membros da coletividade tão naturais como que o próprio ar que respiramos. A consolidação da cidadania, em sua forma plena, deve ser o fator principal da criação de uma cultura em direitos humanos.

É evidente que para o processo educacional alcançar os objetivos das diretrizes nacionais para a educação das relações étnico-raciais, seja fundamental que o sistema de ensino tenha discernimento, quanto à importância de se coibir a dissipação de teorias que deturpam a realidade e negam aos afrodescendentes direitos de reivindicação por reparações, sendo, importantíssima a construção de uma identidade nacional pautada na coexistência de diferentes culturas que propiciem o relacionamento étnico-racial e Intercultural sem desníveis ou lacunas que ultrapassem o campo ideológico.

O racismo é apenas um mecanismo de dominação moral e subjetiva ou uma ideologia orgânica de consolidação do capital, portanto, de sustentação da exploração capitalista (WILLIAMS, 2012, p. 234)

Considerações Finais

Analisando-se a história do Brasil, é visível encontramos a discriminação, o racismo e o preconceito sempre presentes no cotidiano da vida da população afrodescendentes, refletindo-se ainda mais na vida de mulheres, homens e crianças desprestigiados social e economicamente, situação que, considerando os mais de 500 anos de descobrimento, muito pouco se alterou.

Diante da história considera-se o currículo um dos, senão o mais importante artefato sociocultural, capaz de ser tratado em sua totalidade como influenciador na ordem mundial numa perspectiva antirracista, que servirá as minorias como aliado para mudar a sociedade racista brasileira.

Considera-se o racismo um dos principais fatores estruturantes das injustiças sociais da sociedade brasileira, o qual, consequentemente, pode ser visto como chave para se entender as desigualdades sociais que ainda envergonham o Brasil.

É visível que a sociedade brasileira está condenando o preconceito e colocando-o em evidência como nunca o fez. A noção de identidade de uma cultura se dá por meio da consciência de suas diferenças em relação às outras culturas, sem que, para tanto, se criem juízos de valor que desqualifique uma em detrimento de outra.

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[1] Licenciado em Matemática pela Universidade Guarulhos, Pós-Graduado em Pedagogia com administração e supervisão escolar, Pós-Graduado em Matemática, Pós-Graduado em Docência do ensino Superior pela Universidade Iguaçu (UNIG). Experiência profissional na Rede Pública e Privada de Ensino nas disciplinas de Matemática e Física – Atuou como Coordenador Pedagógico, Diretor e Vice-Diretor de Escola.

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Gutemberg Martins de Sales

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