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Utilização de Canabidiol no tratamento de crianças com Transtorno do Espectro Autista

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

AMARAL, Maria Isabella Papandrea de Carvalho [1], LIMA, Ana Caroline Gonçalves [2],  MARINS, Fernanda Ribeiro [3], LIMBORÇO FILHO, Marcelo [4]

AMARAL, Maria Isabella Papandrea de Carvalho et al. Utilização de Canabidiol no tratamento de crianças com Transtorno do Espectro Autista. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 10, Ed. 03, Vol. 01, pp. 64-79. Março de 2025. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/utilizacao-de-canabidiol, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/utilizacao-de-canabidiol

RESUMO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurodesenvolvimental complexa, caracterizada por déficits persistentes na comunicação social e interação, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Diante da ausência de um tratamento farmacológico específico para os sintomas centrais do TEA, intervenções multidisciplinares têm sido empregadas para o manejo dos comportamentos disruptivos e melhora da qualidade de vida dos indivíduos afetados. O presente estudo objetivou analisar a segurança e a eficácia do canabidiol (CBD), um composto não psicoativo da Cannabis sativa, como potencial tratamento para o TEA. Para tanto, foi realizada uma revisão da literatura em bases de dados como SciELO, PubMed e Google Acadêmico, abrangendo publicações de 2007 a 2023. Os resultados da revisão indicam que o CBD emerge como uma alternativa terapêutica promissora para o TEA, com evidências de sua capacidade de modular o Sistema Endocanabinoide (SEC) e, consequentemente, amenizar sintomas como ansiedade, irritabilidade, hiperatividade, distúrbios do sono e déficits na comunicação social. No entanto, são necessários mais estudos para determinar a dose ideal, segurança e eficácia a longo prazo do CBD no tratamento do TEA.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista, Canabidiol, Crianças, CBD, Autismo.

1. INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento com prevalência crescente, caracterizado por déficits persistentes na comunicação social e interação, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades (American Psychiatric Association, 2013). A complexidade e heterogeneidade do TEA demandam abordagens terapêuticas multidisciplinares, que visem não apenas mitigar os sintomas centrais, mas também as comorbidades frequentemente associadas, como epilepsia, ansiedade e depressão.

Diante da necessidade de ampliar o arsenal terapêutico para o TEA, o uso de canabinóides, como o Canabidiol (CBD), um composto não psicoativo da Cannabis sativa, tem despertado crescente interesse na comunidade científica e entre os familiares de pessoas com TEA. Estudos pré-clínicos e clínicos têm demonstrado o potencial do CBD na modulação do Sistema Endocanabinoide (SEC), um sistema de neurotransmissão envolvido em diversas funções fisiológicas e cognitivas, incluindo aquelas afetadas no TEA (Hodges et al., 2020).

O aumento da prevalência do TEA e a busca por terapias eficazes e seguras impulsionam a presente revisão sistemática, que visa analisar e sintetizar as evidências científicas disponíveis sobre o uso do CBD no tratamento do TEA. A compreensão do impacto do CBD nos sintomas centrais e comorbidades do TEA, bem como sua segurança e tolerabilidade, é fundamental para embasar a tomada de decisão clínica e o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas para essa população.

Assim, esta revisão visa analisar e resumir as evidências disponíveis sobre o uso de cannabis no tratamento do TEA, com o objetivo de ampliar o entendimento sobre abordagens terapêuticas acessíveis e seu impacto na gestão dos sintomas e no desenvolvimento desses pacientes.

2. METODOLOGIA

A fim de investigar o potencial terapêutico do canabidiol (CBD) no Transtorno do Espectro Autista (TEA), foi realizada uma revisão sistemática da literatura, abrangendo publicações entre 2007 e 2023. As bases de dados eletrônicas SciELO, PubMed e Google Acadêmico foram utilizadas para a busca de artigos científicos originais em português e inglês. Os termos de busca “canabidiol,” “autismo,” “tratamento” e “transtorno do espectro autista” foram utilizados isoladamente e combinados.

Para complementar a revisão sistemática e aprofundar a compreensão dos temas abordados, foi realizada uma busca complementar em livros relevantes sobre o assunto. Essa busca permitiu a inclusão de informações adicionais sobre o histórico, a farmacologia e os aspectos clínicos do uso do CBD no tratamento do TEA.

A seleção dos artigos e livros incluídos na revisão foi realizada com base em critérios de relevância e qualidade metodológica. Os artigos selecionados foram analisados criticamente, e os dados extraídos foram sintetizados de forma a fornecer um panorama abrangente e atualizado do conhecimento sobre o potencial terapêutico do CBD no TEA.

A combinação da revisão sistemática da literatura com a busca complementar em livros permitiu uma abordagem abrangente e aprofundada do tema, garantindo a qualidade e a confiabilidade das informações apresentadas neste estudo.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) abrange uma variedade complexa e heterogênea de condições neuropsiquiátricas caracterizadas por desafios na interação social, padrões repetitivos de comportamento, interesses restritos e uma diversidade de manifestações clínicas (American Psychiatric Association, 2013). O termo “espectro” abrange a vasta gama de apresentações clínicas e níveis de gravidade observados em indivíduos afetados por esta condição. Os TEA representam uma preocupação significativa de saúde pública, com a sua prevalência aumentando substancialmente nas últimas décadas, afetando pessoas de todas as idades (Baio, 2018).

A etiologia do TEA é multifatorial e complexa, resultando da interação entre fatores genéticos, epigenéticos e ambientais. A contribuição genética para o risco de desenvolver TEA é inegável, com estudos em famílias e gêmeos a demonstrar um elevado grau de hereditariedade (Tick et al., 2016). Apesar disso, a heterogeneidade genética e a ausência de um gene principal associado ao TEA dificultam a identificação de marcadores genéticos específicos. Além dos fatores genéticos, os fatores ambientais também desempenham um papel significativo na predisposição para o TEA, incluindo a exposição a poluentes, complicações durante a gravidez e eventos perinatais (Baio, 2018).

A investigação neurobiológica desempenha um papel crucial na compreensão das correlações entre as alterações cerebrais e os sintomas comportamentais associados ao TEA. Estudos de neuroimagem têm identificado diferenças estruturais e funcionais em várias regiões cerebrais em indivíduos com TEA, como o córtex pré-frontal, o córtex temporal e o sistema límbico (Ecker & Murphy, 2014). Estas diferenças sugerem disfunções na conectividade cerebral e na integração de informações em regiões relacionadas com a sociabilidade, empatia e processamento de informações sociais.

Compreender as correlações neurológicas do TEA é crucial para o desenvolvimento de intervenções e tratamentos mais eficazes. O diagnóstico precoce e a intervenção baseada em evidências podem melhorar significativamente os resultados a longo prazo para indivíduos com TEA (Dawson, 2008).

O Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais delineia três critérios primordiais para a identificação do TEA: 1) déficits persistentes na comunicação social e interação em variados contextos; 2) padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades; 3) manifestação de sintomas no início do desenvolvimento que prejudicam as habilidades sociais do indivíduo (American Psychiatric Pub, 2014). A severidade do TEA é dividida em três níveis, refletindo o suporte necessário à pessoa, sendo o nível 1 o mais leve e o nível 3 o mais grave (OMS, 1993).

3.2 DOS CANNABINÓIDES

A Cannabis, uma planta com flores resinosas, é composta por centenas de componentes químicos distintos e engloba três espécies vegetais: C. sativa ., C. indica e C. ruderalis, que os seres humanos têm interagido  por mais de 5 milênios. Entre os diversos compostos presentes na planta, 85 são farmacologicamente ativos e são conhecidos como canabinoides. Estes compostos se dividem em três grupos: fitocanabinoides, endocanabinoides e canabinoides sintéticos (Geller & Oliveira, 2021).

Ressalta- se a importância de distinguir os tipos de canabinóides: i) endocanabinóides (produzidos pelo corpo humano); ii) fitocanabinóides (encontrados em plantas – principalmente na Cannabis); e iii) canabinoides sintéticos (moléculas sintéticas que interagem com os receptores de canabinóides da mesma forma que os fitocanabinoides) (Geller & Oliveira, 2021).

Nesse contexto, percebe-se que os fitocanabinóides representam os compostos naturais presentes na planta. Dentre eles, destacam-se o Tetrahidrocanabidiol (THC), reconhecido por seus efeitos psicoativos, e o Canabidiol (CBD), que, sendo não psicoativo, figura como o segundo composto mais abundante na planta. O CBD emerge como uma substância de destaque na Cannabis.

Vale ressaltar que o CBD possui uma gama variada de propriedades farmacológicas, englobando efeitos anticonvulsivantes, ansioliticos, antidepressivos, antipsicóticos, sedativos, anti-inflamatórios, neuroprotetores, antioxidantes, além de promover a neurogênese (Tertuliano & Pereira, 2021).

A regulamentação do canabidiol (CBD) no Brasil passou por importantes marcos nos últimos anos. Em 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) retirou o CBD da lista de substâncias proibidas, permitindo sua importação para uso pessoal mediante prescrição médica e autorização do órgão (Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 17/2015). Em 2016, a ANVISA estabeleceu normas para o registro de medicamentos à base de CBD, com limite de concentração de THC, e incluiu o CBD na lista de substâncias de uso permitido (RDC nº 66/2016).

No entanto, a regulamentação do CBD no Brasil ainda apresenta desafios, como a divergência entre as normas da ANVISA e do Conselho Federal de Medicina (CFM) em relação às especialidades médicas autorizadas a prescrever o CBD, e a demora no processo de concessão de autorização para importação (Zuardi et al., 2017).

Apesar das controvérsias e da proibição do uso medicinal da Cannabis em muitos países, pesquisas sobre o potencial terapêutico do CBD têm avançado, especialmente no tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Estudos neuroquímicos indicam que o CBD pode auxiliar na melhora de sintomas como hiperatividade, convulsões, irritabilidade e dificuldades na fala em crianças com TEA (Linares et al., 2019).

Em 2020, a ANVISA simplificou o processo de importação do CBD e autorizou o primeiro produto à base de Cannabis no Brasil, ampliando o acesso a essa terapia (RDC nº 327/2020). Até maio de 2022, já haviam sido aprovados 18 produtos derivados de Cannabis, incluindo extratos de Cannabis sativa e CBD isolado (Dos Santos et al., 2023).

Embora o uso do CBD em crianças e adolescentes ainda seja controverso, estudos em países como Bélgica, Holanda, Canadá, Austrália e Estados Unidos têm mostrado resultados promissores no tratamento do TEA (Polito et al., 2022). No entanto, mais pesquisas são necessárias para avaliar a segurança e eficácia a longo prazo do CBD nessa população.

3.3 MECANISMOS DE AÇÃO

Nos últimos anos, temos testemunhado avanços significativos na compreensão dos diversos efeitos cerebrais e fisiológicos provocados pelos compostos ativos da Cannabis sativa. Estudos recentes destacaram a presença do Sistema Endocanabinóide (SEC) no corpo humano, composto por moléculas semelhantes aos princípios ativos da planta, como a anandamida e o 2-araquinodoilglicerol são os endocanabinoides que se ligam aos receptores CB1 e CB2 no nosso cérebro. Em outras palavras, nosso próprio cérebro possui mecanismos adaptados para interagir com substâncias semelhantes aos canabinóides da cannabis, mas produzidos internamente (Lopes & Ribeiro, 2007).

Essa descoberta tem permitido aos cientistas mapear como a Cannabis exerce seus efeitos farmacológicos no cérebro e qual a função desses receptores em diferentes circuitos (Geller & Oliveira, 2021). Os receptores CB1 desempenham diversas funções importantes sob a influência da Cannabis, incluindo a modulação da dor, controle dos movimentos gastrointestinais, ritmo cardíaco, pressão sanguínea, resposta ao estresse, coordenação motora, sensações de prazer e recompensa, regulação hormonal, equilíbrio energético, adaptação ao estresse, processamento de memórias e aprendizagem inicial (Lopes & Oliveira, 2007).

Por outro lado, os receptores CB2 estão envolvidos na resposta a danos teciduais, processos inflamatórios e controle da dor, sendo encontrados em vasos sanguíneos, células do sistema imunológico e células adiposas. É importante destacar que os receptores CB1 também estão presentes em neurônios que regulam diretamente ou indiretamente a liberação ou remoção de outros neurotransmissores importantes, como glicina, noradrenalina, acetilcolina, serotonina e dopamina (Lopes & Oliveira, 2007).

O SEC é considerado um sistema biológico único que desempenha uma série de funções vitais e integra o desenvolvimento e funcionamento do cérebro. Os endocanabinóides são fundamentais para regular as principais funções cerebrais afetadas no TEA (Silva Júnior et al., 2021).

Observa-se que o SEC, atuando como uma rede neuromoduladora, regula as respostas emocionais, comportamentais e a interação social, e é constantemente afetado na população autista, com impacto nos sintomas e comorbidades, visto que os endocanabinoides, especialmente o AEA, são reguladores-chave das respostas socioemocionais, cognitivas, sensibilidade a convulsões e plasticidade cerebral (Silva Júnior et al., 2021).

Essa conexão entre o TEA e o SEC está relacionada aos níveis de AEA, que desempenham um papel crucial na regulação da neuroplasticidade na população autista. Acredita-se que os efeitos terapêuticos do fitoterápico, geralmente na proporção 20:1 de CBD: THC, atuem inibindo a degradação metabólica do AEA, (Anandamida) uma vez que o CBD inibe a enzima FAAH (Ácido graxo amida hidrolase), responsável pela degradação desse endocanabinoide, resultando em um aumento de sua concentração no sistema nervoso central. Isso reduz a hiperexcitabilidade neuronal observada em indivíduos autistas em comparação com aqueles fora do espectro (Lamas & Mamia, 2020).

Além disso, é importante ressaltar que o CBD atua nas funções cerebrais e físicas, e seu potencial terapêutico está relacionado à regulação das atividades neuronais que estão inibidas. Estudos mostraram que o uso de CBD em pacientes com autismo nível 1 de suporte e comorbidades de epilepsia, não apenas controlou e reduziu as crises epiléticas, mas também ajudou na regulação do sono, ansiedade, agressividade, auto estimulação e comunicação (Minella & Linartevichi, 2021).

Nesse sentido, a aplicação do canabidiol para fins terapêuticos surge como uma opção promissora, uma vez que o CBD atua no organismo do paciente como um agente ansiolítico, anti-inflamatório, antiepiléptico, protetor neuronal, melhorando déficits cognitivos, distúrbios do sono e diminuindo comportamentos agressivos frequentemente associados à dificuldade de comunicação, isolamento social e hiperatividade (Tertuliano & Pereira, 2021). Estudos têm demonstrado melhorias nos aspectos comportamentais, sintomas e comorbidades do autismo, incluindo diminuição de episódios de auto agressão e agressão a terceiros, irritabilidade, hiperatividade, problemas de sono, ansiedade, inquietação, agitação psicomotora e depressão, além de melhorias na sensibilidade, atenção, cognição, interação social e linguagem (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019).

3.4 CONSIDERAÇÕES LEGAIS ACERCA DO USO DE CANABIDIOL NO TRATAMENTO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

O Sistema Endocanabinoide e seu Potencial Terapêutico no Transtorno do Espectro Autista (TEA)

O Sistema Endocanabinoide (SEC) é um complexo sistema de sinalização celular presente em todo o corpo humano, incluindo o sistema nervoso central. Composto por receptores canabinoides (CB1 e CB2), endocanabinoides (eCBs) – como a anandamida (AEA) e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG) – e enzimas responsáveis pela síntese e degradação dos eCBs, o SEC desempenha um papel crucial na homeostase e modulação de diversas funções fisiológicas e cognitivas (Lu & Mackie, 2016).

Os receptores CB1, amplamente distribuídos no cérebro, estão envolvidos em processos como neurotransmissão, plasticidade sináptica, aprendizado, memória, emoção, dor e apetite (Katona & Freund, 2012). Já os receptores CB2, predominantes em células do sistema imunológico, participam da regulação da resposta inflamatória e imune (Pacher et al., 2006).

Estudos recentes têm evidenciado a importância do SEC no desenvolvimento e funcionamento do cérebro, bem como sua implicação em condições neuropsiquiátricas, incluindo o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Pesquisas têm demonstrado alterações nos níveis de eCBs e na expressão de receptores canabinoides em indivíduos com TEA, sugerindo um desequilíbrio no sistema endocanabinoide (Shilts et al., 2018).

O canabidiol (CBD), um fitocanabinoide não psicoativo presente na Cannabis sativa, tem se mostrado promissor como agente terapêutico no TEA devido à sua capacidade de modular o SEC. O CBD atua como um inibidor da enzima ácido graxo amida hidrolase (FAAH), responsável pela degradação da AEA, resultando em um aumento dos níveis desse eCB no cérebro e potencialmente restaurando o equilíbrio do SEC (McPartland et al., 2019).

3.5 MODULAÇÃO DO SISTEMA ENDOCANABINOIDE PELO CANABIDIOL: UMA NOVA PERSPECTIVA TERAPÊUTICA PARA O TEA

A disfunção do Sistema Endocanabinoide (SEC) tem sido implicada na fisiopatologia do Transtorno do Espectro Autista (TEA), abrindo caminho para novas estratégias terapêuticas que visem modular esse sistema. O canabidiol (CBD), um fitocanabinoide não psicoativo da Cannabis sativa, tem demonstrado potencial para restaurar o equilíbrio do SEC e, consequentemente, amenizar os sintomas do TEA.

3.6 O CBD INTERAGE COM O SEC DE DIVERSAS FORMAS, INCLUINDO

Inibição da FAAH: O CBD inibe a enzima ácido graxo amida hidrolase (FAAH), responsável pela degradação da anandamida (AEA). Essa inibição leva a um aumento dos níveis de AEA no cérebro, o que pode contribuir para a redução da ansiedade, melhora do humor e da função cognitiva em indivíduos com TEA (Blessing et al., 2015).

Aumento da Neurogênese: Estudos pré-clínicos sugerem que o CBD pode promover a neurogênese, ou seja, a formação de novos neurônios, no hipocampo, uma região do cérebro crucial para o aprendizado e a memória. Esse efeito pode ser benéfico para indivíduos com TEA, que frequentemente apresentam déficits nessas áreas (Campos et al., 2013).

Redução da Neuroinflamação: O CBD possui propriedades anti-inflamatórias que podem modular a resposta imune e reduzir a neuroinflamação, um processo que tem sido associado à fisiopatologia do TEA (Batista et al., 2022). A redução da neuroinflamação pode contribuir para a melhora da função cognitiva, comportamento social e outros sintomas do TEA.

Modulação da Atividade dos Receptores TRPV1: O CBD interage com o receptor TRPV1, um canal iônico envolvido na percepção da dor, temperatura e inflamação. A modulação da atividade do TRPV1 pelo CBD pode contribuir para o alívio da dor e da sensibilidade sensorial, que são comuns em indivíduos com TEA (Iannotti et al., 2014).

Aumento dos Níveis de Adenosina: O CBD pode aumentar os níveis de adenosina, um neuromodulador que inibe a liberação de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato. Esse efeito pode contribuir para a redução da hiperexcitabilidade neuronal, que tem sido observada em indivíduos com TEA (Pellegrino et al., 2022).

Portanto o CBD apresenta propriedades ansiolíticas, anti-inflamatórias, anticonvulsivantes e neuroprotetoras, que podem contribuir para a melhora de sintomas e comorbidades frequentemente associadas ao TEA, como ansiedade, irritabilidade, hiperatividade, distúrbios do sono e epilepsia (Silvestro et al., 2019).

Estudos clínicos preliminares têm demonstrado resultados promissores do uso do CBD no tratamento do TEA, com redução significativa de sintomas comportamentais, melhora na comunicação social, sono e qualidade de vida (Aran et al., 2021). No entanto, mais pesquisas são necessárias para elucidar os mecanismos de ação do CBD no TEA e determinar a dose ideal, segurança e eficácia a longo prazo em diferentes populações de pacientes.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da escassez de tratamentos farmacológicos eficazes para os sintomas centrais do Transtorno do Espectro Autista (TEA), o canabidiol (CBD) surge como uma alternativa promissora, com potencial para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos afetados. As evidências científicas apontam para os efeitos benéficos do CBD na modulação do Sistema Endocanabinoide (SEC), que desempenha um papel crucial na regulação de diversas funções cerebrais e comportamentais, incluindo aquelas afetadas no TEA.

Estudos clínicos preliminares têm demonstrado resultados promissores do uso do CBD no tratamento de sintomas como ansiedade, irritabilidade, hiperatividade, distúrbios do sono e déficits na comunicação social, além de comorbidades como epilepsia. No entanto, a heterogeneidade dos resultados de pesquisa e a falta de estudos de longo prazo ressaltam a necessidade de investigações mais aprofundadas para elucidar os mecanismos de ação do CBD no TEA, determinar a dose ideal e regime de tratamento para cada paciente, e avaliar a segurança e eficácia a longo prazo dessa terapia.

É fundamental que a comunidade científica continue a investigar o potencial terapêutico do CBD no TEA, com estudos clínicos randomizados, controlados e de longo prazo, envolvendo diferentes populações de pacientes e comorbidades. Além disso, é crucial que a pesquisa se concentre em identificar biomarcadores que possam prever a resposta individual ao tratamento com CBD, permitindo uma abordagem personalizada e maximizando os benefícios terapêuticos.

Em suma, o CBD representa uma esperança para o desenvolvimento de novas terapias para o TEA, mas sua implementação clínica deve ser baseada em evidências científicas sólidas e em uma avaliação cuidadosa dos riscos e benefícios individuais. A pesquisa contínua e rigorosa é essencial para garantir que o CBD seja utilizado de forma segura e eficaz, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e bem-estar das pessoas com TEA.

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[1] Graduanda em Bacharelado em Psicologia na Faculdade Unis São Lourenço. ORCID: 0009-0001-7681-4225.

[2] Mestranda em Gestão e Desenvolvimento Regional, Pós-graduação Lato Sensu em Psico-oncologia, Pós- graduação Lato Sensu em Psicologia Existencial Humanista e Fenomenológica, Graduação em Psicologia. ORCID: https://orcid.org/0009-0004-7383-1291. Curriculo Lattes: https://lattes.cnpq.br/4488593513241715.

[3] Orientadora. Pós-doutorado, Doutorado e Mestrado em Fisiologia e Farmacologia no Laboratório de Hipertensão do departamento de Fisiologia e Biofísica da UFMG. Especialização em lato sensu em Acupuntura Sistêmica, Fisioterapia Cardiorrespiratória, Fisioterapia Pediátrica, Fisioterapia Neurofuncional, Psicomotricidade e Gestão e Liderança de Equipes. Fisioterapeuta e Pedagoga. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2735-5701. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7661860963016166.

[4] Orientador. Doutor em Fisiologia e Farmacologia pela UFMG. Doutorado Sanduiche pelo Programa PDSE/Capes na Georgia Regents University. Mestre em Fisiologia e Farmacologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. ORCID: 0000-0001-5171-8010. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5954989506643485.

Material recebido: 25 de junho de 2024.

Material aprovado pelos pares: 30 de julho de 2024.

Material editado aprovado pelos autores: 18 de março de 2025.

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Maria Isabella Papandrea de Carvalho Amaral

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