ARTIGO DE REVISÃO
QUEIROZ, Brenda Rodrigues [1], SOUSA, Mabel Sodré Costa [2], CAVALCANTE, Nádja Shirlley de Andrade [3], CAVALCANTE, Elaine Alane Batista [4], ARAÚJO, Guilherme Almeida de [5], SILVA NETO, Alício João da [6], CARVALHO, Thalia da Rocha [7], SILVA, Morganna Thinesca de Almeida [8]
QUEIROZ, Brenda Rodrigues et al. O uso racional do paracetamol e riscos associados na população idosa: revisão integrativa. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 10, Ed. 02, Vol. 01, pp. 77-92. Fevereiro de 2025. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/uso-racional-do-paracetamol, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/uso-racional-do-paracetamol
RESUMO
A automedicação contraria o uso racional e pode apresentar riscos aos pacientes principalmente quando idosos, por exemplo os AINES (Anti-inflamatórios Não Esteroidais) são uma das classes mais envolvidas nessa prática e o paracetamol é um dos medicamentos mais utilizados para tratar sinais e sintomas como febre e dor. No entanto, seu uso pode estar associado a efeitos adversos em idosos devido a mudanças fisiológicas que comprometem a farmacocinética do medicamento. Diante disso, o objetivo dessa pesquisa foi explicar os riscos associados ao uso de paracetamol, por idosos, em doses posológicas. Esse estudo se trata de uma revisão integrativa da literatura de abordagem qualitativa e caráter exploratório, desenvolvida a partir do levantamento bibliográfico de artigos nas principais bases de dados, como Scielo, Pubmed e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), foram incluídos artigos publicados nos últimos 10 anos em língua portuguesa ou inglesa. Com o envelhecimento as doenças crônicas surgem e com isso aumenta o uso de medicamentos, incluindo os AINES devido ao aparecimento de dores, artrite e fraturas, dentro dessa classe o paracetamol corresponde a cerca 26% do uso. As alterações fisiológicas no idoso comprometem diretamente na metabolização de fármacos, o pH estomacal elevado ocasiona uma absorção diferente, os níveis de albumina diminuídos aumentam quantidade de droga livre no organismo, a diminuição de tecido adiposo, água e massa magra afetam o volume de distribuição e a função renal comprometida acarreta na dificuldade de eliminação das drogas. Todos esses fatores interferem na farmacocinética do paracetamol no organismo idoso, podendo ocasionar efeitos tóxicos no fígado mesmo em doses posológicas. Diante disso, o uso do paracetamol em idosos deve ser feito de uma forma mais cuidadosa por meio de doses individualizadas que levem em consideração as condições fisiológicas do indivíduo.
Palavras-chaves: Uso racional, Idosos, Paracetamol, Efeitos adversos.
1. INTRODUÇÃO
O uso racional de medicamentos foi definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1985 como a situação em que os pacientes recebem medicamentos em doses necessárias e pelo período de tempo adequado e ao menor custo (Aquino, 2008). Essa temática ganhou destaque ao longo do tempo, motivando a criação de políticas públicas brasileiras para promover o uso racional enfatizando a importância da atuação do farmacêutico, como a Política Nacional de Medicamentos (1998) e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (2004), as quais foram reforçadas com a criação do Comitê Nacional para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos através da Portaria nº 1555 de 2007 (Brasil, 2007).
A automedicação se refere ao uso de medicamentos por conta própria, sem o devido aconselhamento e acompanhamento profissional. Essa prática contraria o uso racional e apresenta um grande risco aos indivíduos, visto que o fácil acesso e o uso indiscriminado podem ocasionar danos à saúde do paciente como reações adversas, interações medicamentosas e intoxicações (Domingues et al., 2017). Nesse sentido, os Anti-inflamatórios Não Esteroidais (AINEs) ocupam um grande destaque na automedicação de queixas comuns como febre, dores e inflamações, que acometem indivíduos de diferentes faixas etárias, em especial os idosos, estando o paracetamol e o ibuprofeno entre os medicamentos mais utilizados por eles, representando 67,9% e 31,7%, respectivamente (Ely et al., 2015).
Nesse contexto, o processo de envelhecimento é marcado pelo surgimento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs) ao longo do tempo, como diabetes, hipertensão e dor crônica, as quais demandam o uso contínuo de medicamentos e a associação entre eles para tratar as patologias, dando origem à condição conhecida como polifarmácia. Em consequência disso, o uso de muitos medicamentos pode contribuir para o surgimento de reações adversas decorrentes das várias mudanças fisiológicas no idoso, como a redução da função hepática e renal, as quais influenciam na sua resposta aos fármacos (Cavalcante et al., 2020).
O paracetamol (N-acetil-p-aminofenol), também conhecido como acetaminofeno, é um AINE bastante utilizado no tratamento de febre e dores leves a moderadas, inclusive em idosos, seja por prescrição médica ou por automedicação. Apesar de não ter o seu mecanismo de ação completamente elucidado, sabe-se que ele bloqueia a síntese de prostaglandinas a partir do ácido araquidônico ocorrendo a inibição das enzimas ciclooxigenase (COX) 1 e 2, além de exercer efeitos centrais antipiréticos (Aminoshariae; Khan, 2015). No entanto, sua eficácia e segurança em idosos não é completamente conhecida, visto que os estudos clínicos normalmente não incluem essa faixa etária nas pesquisas, devido a suas múltiplas comorbidades (Mian et al., 2018).
O acetaminofeno apesar de ser um analgésico e antipirético eficaz, ele é o principal medicamento associado à falência hepática devido à produção de um metabólito tóxico, o N-Acetil-P-Benzoquinona (NAPQI) oriundo de reações metabólicas de oxidação, o qual, se não eliminado pelo organismo por Ação da Glutationa (GSH), pode se ligar de forma irreversível às células hepáticas promovendo necrose tecidual, doses excessivas de paracetamol podem favorecer esse processo ocasionando sinais e sintomas tóxicos. A automedicação e o desconhecimento desses possíveis efeitos danosos podem contribuir para a intoxicação medicamentosa principalmente em idosos, visto que podem possuir um comprometimento hepático prévio (Sereno; Silva; Da Silva, 2020).
Diante disso, é importante ressaltar os riscos associados à automedicação e compreender as alterações fisiológicas e metabólicas dos idosos que interferem nas suas respostas aos fármacos. Assim, os objetivos desse artigo foram explicar os riscos associados ao uso de paracetamol por idosos, mesmo em doses posológicas, além de evidenciar a importância do uso racional dos medicamentos e como o farmacêutico pode atuar na orientação em saúde e no acompanhamento farmacoterapêutico.
2. METODOLOGIA
Esse estudo, se trata de uma revisão integrativa da literatura de abordagem qualitativa e de caráter exploratório. A pesquisa foi desenvolvida a partir do levantamento bibliográfico de artigos nas principais bases de dados, como Scielo, Pubmed e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Na busca foram utilizados os descritores DECs/ MESH como: “uso racional”, “automedicação”, “paracetamol”, “idosos”, e “atenção farmacêutica”, acompanhados do operador booleano AND.
Os critérios de inclusão foram artigos publicados entre os anos de 2014 e 2023 em língua portuguesa ou inglesa que abordam a temática, essa regra é válida somente para os estudos selecionados para os resultados e discussões. Foram incluídos tanto estudos epidemiológicos e clínicos, quanto artigos de revisão que contemplassem os critérios estabelecidos. Ademais, foram excluídos todos os artigos que ultrapassavam o recorte temporal e idiomas propostos, além de publicações disponíveis em apenas em resumo simples, duplicados e que se desviaram da temática.
A seleção dos artigos inicialmente foi feita por meio da leitura do título e dos resumos e, posteriormente, dos textos completos. Após a leitura completa dos artigos selecionados foi feita a análise e resumo do conteúdo de modo a extrair as informações mais relevantes para o tema e encontrar as lacunas que foram abordadas nesse estudo.
3. RESULTADOS
Na busca dos artigos, foi utilizada a combinação “paracetamol and idosos” e foram encontrados 6 artigos, além disso foi utilizada a combinação “paracetamol and riscos idosos” e foram encontrados 14 artigos, totalizando 20 estudos, os quais foram submetidos ao processo de seleção.
Como está representando no Fluxograma 1, a busca primária na base de dados resultou em um total de 20 artigos publicados que foram submetidos a uma triagem por Title/Abstract, os quais foram reduzidos para 17 estudos, dos quais 7 foram descartados por apresentar conteúdo parecido com os demais ou por estarem fora dos critérios de recorte temporal. Os 10 artigos elegíveis foram incluídos na revisão.
Os artigos foram avaliados com base na metodologia aplicada e desfechos principais, envolvendo o uso racional do paracetamol e riscos associados em idosos, bem como aspectos fisiológicos dos idosos.
Fluxograma 1: Processo de seleção dos estudos incluídos na revisão

Uma vez selecionados, os artigos utilizados na revisão, foram sintetizados, especialmente quanto ao método aplicado, resultados obtidos e demais informações necessárias, como mostrado no Quadro 1.
Os dados obtidos por meio de revisão integrativa foram discutidos, a partir do cruzamento de ideias e resultados trazidos pelos autores, bem como nos principais desfechos e observações feitas no decorrer do trabalho.
Quadro 1: Síntese dos estudos incluídos na pesquisa
ESTUDO | AUTOR/ANO | MÉTODO | RESULTADOS |
USO IRRACIONAL DO PARACETAMOL EM IDOSOS | De Souza; Da Silva; De Andrade, 2023. | Estudo de abordagem qualitativa, bibliográfica, objetivando compreensão sobre o tema proposto a partir de estudos independentes com intuito de conscientização junto ao profissional farmacêutico ao uso racional do paracetamol. | As alterações fisiológicas no idoso comprometem diretamente na metabolização de fármacos. O pH estomacal elevado ocasiona uma absorção diferente. Os níveis de albumina diminuídos aumentam quantidade de droga livre no organismo. A diminuição de tecido adiposo, água e massa magra afetam o volume de distribuição. A função renal comprometida acarreta na dificuldade de eliminação das drogas. |
EFEITOS ADVERSOS DO USO DE ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDES POR IDOSOS | Silva et al., 2023. | Estudo de revisão integrativa da literatura com coleta de dados no período de julho de 2022 a setembro de 2022 com dados sobre o assunto “efeitos e relações adversas a uso de medicamentos”. | O presente estudo destaca que a doença renal crônica é a mais prevalente entre 40 a 80 anos de idade, correlacionado a isso a população idosa é a que mais sofre de dores articulares e com isso origina o uso crônico de anti-inflamatórios não esteroidais para alivio desses sintomas. |
HEPATOTOXICIDADE POR PARACETAMOL | Sousa et al, 2023. | Estudo de revisão narrativa com busca de dados publicados entre os anos 2012 e 2022 utilizando operadores booleanos “Acetaminofeno” OR “Paracetamol” OR “Tylenol” AND “Hepatotoxicidade”. | O paracetamol é amplamente utilizado devido a não precisar de prescrição médica e ser de baixo custo, apresenta analgesia, alta ação antipirética e baixa ação anti-inflamatória, doses elevadas podem causar lesão hepática e até mesmo progredir para insuficiência hepática aguda. Apesar de raro, respeitando as doses terapêuticas recomendadas, pode haver hepatoxicidade. |
ANÁLISE DO PERFIL DE ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDES UTILIZADOS EM IDOSOS E CONSEQUÊNCIAS ASSOCIADAS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA | Oliveira et al., 2022. | Estudo com coleta de dados realizada a partir de levantamento bibliográfico e revisão integrativa da literatura com método de abordagem metodológica referente aos dados entre 2015 a 2020. | Dos estudos observados foram identificados mais de um medicamento em uso, entre eles um dos mais citados ocupando a posição de 8% foi o paracetamol. Os problemas citados foram medicamentos inapropriados para idosos e automedicações, suas causas fora foram experiência previa com o medicamento, medicamentos isentos de prescrição, facilidade de acesso e influência de terceiros. |
FATORES DE RISCO DOS ANTI-INFLMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS | Moura; Sousa; Junior, 2022. | Estudo realizado a partir de uma revisão integrativa da literatura com caráter exploratório entre os anos de 2012 a 20222 visando identificar dados com a temática fatores de ricos no uso tradicional de anti-inflamatórios não esteroidais pelas comunidades ribeirinhas (paracetamol e dipirona). | Os AINES mais consumidos estão a dipirona com 52%, nimesulida 38%, paracetamol 37%, ibuprofeno 35% e diclofenaco 28%, estão em primeira escolha para o tratamento de dor moderada a leve, febre, amigdalites e tendinites. A automedicação está relacionada a fácil acesso a esses medicamentos e a falta de informações sobre ele, consequentemente o aumento de intoxicações. |
PERIGO DA AUTOMEDICAÇÃO IRRESPONSÁVEL DO PARACETAMOL: UMA REVISÃO DE LITERATURA | Neca et al., 2022. | O estudo se trata de uma revisão bibliográfica da literatura de caráter narrativo e documental realizada no período de setembro de 2022 a dezembro de 2022 utilizando artigos publicados nos últimos 5 anos. O estudo tem como objetivo tratar dos efeitos nocivos do paracetamol. | O uso do paracetamol está totalmente aliado a fatores que influenciam a insuficiência hepática, como o consumo de álcool, idade e uso de outros medicamentos, além disso é contra indicado para pacientes com insuficiência hepática e doença imunossupressoras e a dengue hemorrágica. |
ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDES (AINES) MAIS VENDIDOS EM FARMÁCIAS COMUNITÁRIAS: REVISÃO DE LITERATURA. | Aoyama; Delmão, 2021. | Estudo de revisão de literatura de caráter exploratório entre 2010 e 2020 objetivando os efeitos adversos com o uso de AINES na população idosa, farmacologia e toxicologia. | A Organização Mundial de Saúde estima que em 2020 o Brasil alcançou uma população de cerca de 15 milhões de indivíduos com 60 anos ou mais. Com tudo, a incidência de doenças crônicas causa a polifarmácia, além do uso exacerbado de AINES como profilaxia de dores musculares, fraturas, artrite e pós-operatórios. |
AVALIAÇÃO SOBRE O USO IRRACIONAL DE ANTI-INFLAMATÓRIO NÃO ESTEROIDAIS (AINES) EM IDOSOS NO BRASIL: UMA REVISÃO DE LITERATURA | Sanchez et al., 2021. | Trata-se de uma revisão integrativa da literatura com inclusão de dados publicados nos anos de 2014 a 2020 onde foram selecionados artigos que continham estudos clínicos e resultados voltados para os efeitos do uso irracional de anti-inflamatórios por pessoas da terceira idade. | Em uma pesquisa realizado com uma amostra de 50 idosos 26% utilizam paracetamol, esse uso é decorrente a difícil acesso a consulta médica e busca pela orientação de um farmacêutico, além disso mantem o uso continuo desse medicamento devido a carência de médicos. |
A UTILIZAÇÃO DE ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDES (AINES) POR IDOSOS CLIENTES DE DUAS DROGARIAS PRIVADAS DE MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS | Sales; Lacerda, 2017. | O estudo trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem quantitativa. A coleta de dados foi realizada pelo pesquisador através de uma entrevista durante a compra de anti-inflamatórios não esteroides por idosos em duas drogarias privadas, o instrumento de coleta foi aplicado em 110 indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos no período de julho a agosto de 2016. | A entrevista realizada constatou que a ação mais desejada pelo uso de AINE foi a analgesia e dentre as doenças crônicas acometidas hipertensão e/ou hipertensão e diabetes está entre ou mais 30% e insuficiência renal com 5,3%. Dentre os dados obtidos 27,3% raramente utilizam por conta própria. |
USO DE ANTI-INFLAMATÓRIOS E ANALGÉSICOS POR UMA POPULAÇÃO DE IDOSOS ATENDIDA NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA | Ely et al., 2015. | Estudo epidemiológico e clínico. A pesquisa ocorreu entre março de 2011 a dezembro de 2012, onde os Agentes Comunitários de Saúde foram treinados e mediados a coleta de dados através de um questionário contendo dados sociodemográficos e uso de medicamentos pelos idosos por meio de prescrições, posologias e indicação (médica ou automedicação). Foram incluídos AINES, glicocorticoides analgésicos não opioides e analgésicos opioides de uso oral. | Na análise do estudo foram incluídos 758 idosos, 35,8% homens e 64,2% mulheres entre 76,3 anos. O percentual de uso de anti-inflamatórios e analgésicos por idosos é de 28,8% com variações de 1 a 4 medicamentos, dentre os dados os AINES obtinham 16,5%, o paracetamol e o ibuprofeno sendo os mais utilizados com 67,9% e 31,7% respectivamente. Entre as patologias acometidas nos idosos estão a doença hepática, artrose, artrite, reumatismo onde mostram está diretamente relacionada ao uso de anti-inflamatórios e analgésicos. |
Fonte: Autoria própria (2024).
4. DISCUSSÃO
A partir dessa revisão, foi possível observar que o uso do paracetamol especificamente por idosos ainda é um tema ainda pouco discutido na comunidade científica. A exemplo disso, De Souza, Da Silva e De Andrade (2023) destacam que no período do envelhecimento ocorrem processos de modificações farmacocinéticas devido a alterações fisiológicas nos idosos, ressaltando o aumento do pH gástrico que resulta em uma absorção diferente, além da diminuição nos níveis de albumina sérica e aumento da alfa-1-glicoproteína ácida, consequentemente elevando a quantidade de droga livre no organismo, a qual está mais propensa a sofrer metabolismo hepático e gerar metabolitos tóxicos, como o NAPQI derivado do paracetamol (Caires; Baroni; Pereira, 2018).
Aoyama e Delmão (2021) mencionam que com o envelhecimento as doenças crônicas surgem e com isso aumenta o uso de medicamentos, incluindo os AINES, devido ao aparecimento de dores, artrite, dor muscular e fraturas. Na pesquisa, constatou-se que 75% dos entrevistados utilizam AINES mas com pouca frequência, 14% usam AINES diariamente e 11% não fazem uso desses medicamentos. Além disso, o estudo nas farmácias comunitárias envolvidas verificou que 89,7% do total das vendas correspondiam aos AINES, incluindo suas apresentações isoladas e as associações, como o diclofenaco combinado à cafeína, carisoprodol e paracetamol, representado pelo Torsilax®.
A partir de uma pesquisa descritiva quantitativa com base em coleta de dados através de uma entrevista com 110 pessoas com faixa etária abaixo e acima de 70 anos, Sales e Lacerda (2017) notaram que a frequência de uso de AINES por idosos era de cerca de 34,4% com apresentação de receita, 27,3% por conta própria, 21,8% em casos de dor ou inflamação com indicação de um balconista, 11,8% mediamente indicação do farmacêutico e 2,7% faziam uso contínuo com acompanhamento médico. Dos entrevistados, 34 pessoas relataram apresentar efeitos como gastrite (41,2%), úlceras gástricas (44,1%) e doença renal (14,7%) e 76 idosos desconheciam os efeitos indesejáveis, com isso, verificou-se pelos usuários o desconhecimento acerca dos riscos do uso incorreto de AINEs.
Além disso, Sanchez et al. (2021) reforçam que em um estudo com amostra de 50 idosos que utilizam AINEs, 34% usam diclofenaco e 26% paracetamol como tratamento para aliviar as dores de cabeça e na coluna. Nesse sentido, o difícil acesso às consultas médicas e a falta de conhecimento para buscar orientação de um farmacêutico faz com os idosos utilizem AINES de forma independente e irracional, passando a ter sintomas como desconfortos gástricos. Diante disso, no estudo os autores relatam que após o uso prolongado dos AINEs, 34 idosos afirmaram sentir desconforto estomacal e 11 afirmaram sentir náuseas, além de relatos de hemorragia e úlceras em idosos já com comorbidades, as quais podem ser efeitos adversos e até mesmo tóxicos como no caso do paracetamol.
Na revisão integrativa realizada por Oliveira e colaboradores (2022) sobre os principais AINEs utilizados por idosos, os dados da literatura referem que o paracetamol está entre os medicamentos mais citados, representando 8% em comparação aos demais. Os autores reforçam que há inadequações na utilização dos AINES, sendo que a automedicação corresponde a aproximadamente um terço do uso inadequado (33,3%), estando bastante relacionada ao o fato os AINEs de serem os medicamentos isentos de prescrição. Com isso, alerta ainda que o uso dessa classe por idosos apresenta grandes riscos, uma vez que esses indivíduos apresentam metabolismo hepático mais lento e prevalência de diabetes e hipertensão, a qual está relacionada à classe dos AINES, que são capazes de reduzir a concentração de prostaglandinas e renina, elevando a pressão arterial.
A relação entre o uso de Anti-Inflamatórios Não Esteroidais (AINEs) e o aumento da pressão arterial em pacientes com hipertensão foi abordada no estudo PRECISION-ABPM. Este estudo demonstrou que o ibuprofeno e o naproxeno aumentam significativamente a pressão arterial, em contraste com o celecoxibe, que apresentou um efeito menos pronunciado sobre os níveis de pressão sistólica. Esse aumento da pressão arterial está diretamente relacionado ao risco cardiovascular, sendo particularmente relevante para pacientes hipertensos que utilizam AINEs de forma prolongada (Fernández-Ruiz et al., 2017).
A inibição da enzima Ciclooxigenase (COX) pelos Anti-Inflamatórios Não Esteroidais (AINEs) afeta a produção de prostaglandinas, especialmente a prostaciclina, que é responsável pela vasodilatação e regulação da função renal. A redução dessas prostaglandinas leva a vasoconstrição, retenção de sódio e aumento da pressão arterial. Esse efeito pode agravar a hipertensão e aumentar o risco de complicações cardiovasculares, como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral em pacientes hipertensos (Meek; Van De Laar; Vonkeman, 2020).
Ademais, Silva et al. (2023) reforçam a associação entre a idade avançada e risco de eventos adversos com o uso de medicamentos, além disso, requerem avaliação do risco-benefício e a necessidade de monitorização do uso de AINES em idosos. Nesse sentido, o uso de agentes gastoprotetores e a avaliação da função renal são necessários, pois há uma tendência a partir dos 75 anos de idade de ocorrer insuficiência renal aguda.
O paracetamol ou acetaminofeno apresenta analgesia, alta ação antipirética e baixa ação anti-inflamatória quando comparado a medicamentos da mesma classe. Com isso, Sousa e colaboradores (2023) relatam que o paracetamol em dose terapêutica 4 g/dia é considerado seguro, já em doses superiores (10 g adultos e até 150 mg/kg em crianças) podem causar lesão hepática grave ou até mesmo evoluir para insuficiência hepática aguda (IHA), e ressalvam que, apesar de raro, pode haver hepatoxicidade respeitando as recomendações de doses terapêuticas.
No que se refere ao mecanismo de absorção e toxicidade do paracetamol Moura, Sousa e Junior (2022) afirmam que, o paracetamol possui rápida absorção pelo trato gastrointestinal (TGI) com pico de concentração de 90 minutos, já o período de meia vida é de 2 a 2,5 horas, mas quando há existência de lesão hepática a meia vida se prolonga para mais de 4 horas. O paracetamol em excesso esgota a glutationa endógena (GSH) resultando a incapacidade de desintoxicação resultante de uma toxicidade. Segundo Neca e colaboradores (2022), mesmo em doses pequenas, o paracetamol pode lesionar células hepáticas, especialmente se o órgão já for danificado.
Somado a isso, Ely e colaboradores (2015) descreve que o paracetamol está entre os analgésicos que podem causar hepatoxicidade, e alertam que a dose para o idoso deve ser individualizada. Portanto, a utilização do paracetamol nessa faixa estaria deve ser avaliada antes de ser prescrita, já que ele possui efeitos adversos no organismo idoso e interações medicamentosas devido à polifarmácia como o uso de anti-hipertensivos.
Nesse contexto, segundo a cartilha do Conselho Regional de Farmácia- SP (2020), o farmacêutico possui um papel importante na resolução de problemas relacionados a medicamentos desempenhando ações que garantem a efetividade e segurança da farmacoterapia prescrita através da orientação e acompanhamento terapêutico.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, foi possível observar que o paracetamol é um dos AINES mais utilizados por idosos e seu uso apresenta riscos mesmo nas doses posológicas. As condições fisiológicas nessa faixa etária comprometem a farmacocinética do medicamento interferindo na absorção, distribuição, metabolismo e eliminação do paracetamol, o que pode gerar principalmente a hepatotoxicidade nos pacientes.
Diante disso, o uso do paracetamol em idosos deve ser feito de uma forma mais cuidadosa por meio de doses individualizadas que levem em consideração as condições fisiológicas do indivíduo. Além disso, o seu uso deve ser orientado e acompanhado de modo a evitar a ocorrência de reações adversas. Nesse contexto, o farmacêutico desempenha papel fundamental para promover o uso correto do paracetamol na população idosa de modo a prevenir riscos.
REFERÊNCIAS
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[1] Graduanda do curso de Bacharelado de Farmácia pela Faculdade de IRECÊFAI. ORCID: https://orcid.org/0009-0008-2182-5956. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2943407363711336.
[2] Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Especialização em Farmacologia Clínica pela Faculdade Irecê – FAI, Especialização em Gestão Hospitalar. Pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão – IBPEX, Especialização em MBA Executivo em Negócios pela Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP, Graduada em Farmácia Clinicoindustrial pela Universidade Tiradentes – UNIT-SE. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6647-264X. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6677502970585238.
[3] Mestre em Administração pela Fundação Pedro Leopoldo – FPL, Especialização em Docência no Ensino Superior pela Universidade Norte do Paraná – UNOPAR, Especialização em Saúde do Trabalhador pelo Instituto Brasileiro de PósGraduação e Extensão – IBPEX, Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Enfermagem
pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8200-3691. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4518415696443932.
[4] Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, Especialização em Gestão da Saúde pela Fundação Osvaldo Cruz, Graduada em Farmácia Clinico-industrial pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6439-8714. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0673859141602662.
[5] Graduando do curso Bacharelado em Farmácia pela Faculdade Irecê (FAI), Técnico em Análises Clínicas pelo Centro Estadual de Educação Profissional Em Recursos Naturais do Centro Baiano, CEEP. ORCID: https://orcid.org/0009-0002-9883-0442. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7131301191844977.
[6] Graduando do curso de Bacharelado em Farmácia pela Faculdade Irecê (FAI). ORCID: https://orcid.org/0009-0008-7575-1251. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7562614804346468.
[7] Graduanda do curso Bacharelado em Farmácia pela Faculdade Irecê (FAI). ORCID: https://orcid.org/0009-0003-0559-1460. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1608289203538081
[8] Orientadora. Mestre em Biociência Mestre em Biociências, na área de concentração: fisiologia e farmacologia pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), pós graduada em farmologia clínica, farmácia clínica e prescrição farmacêutica pelo IBRAS, Graduada em farmácia pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8508-1051.
Material recebido: 11 de setembro de 2024.
Material aprovado pelos pares: 18 de outubro de 2024.
Material editado aprovado pelos autores: 11 de fevereiro de 2025.